Título: Um aceno histórico
Autor: Maltchik, Roberto ; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 20/03/2011, O País, p. 3
Na primeira viagem ao Brasil, Obama declara `apreço¿ por vaga para o país na ONU
DILMA E o presidente americano, Barack Obama, no Planalto: líder dos EUA declara que pleito do Brasil por vaga no Conselho de Segurança se ajusta ao plano de reformar o órgão
Num dia histórico para o Brasil e para o mundo, a primeira visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao país foi coroada com uma manifestação de ¿apreço¿ à aspiração brasileira de ter assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A mensagem, presente na declaração conjunta dos presidentes Obama e Dilma Rousseff, superou a resistência inicial dos americanos e foi incluída no comunicado no último momento.
Na declaração final, o líder americano, que reconheceu o Brasil como liderança global, afirmou que o pleito brasileiro se ajusta ao plano de reformar e ampliar o organismo, para que seja ¿mais efetivo, eficiente e representativo¿. Na avaliação da diplomacia brasileira, o posicionamento de Obama ¿ que jamais fizera comentário a respeito da candidatura brasileira ¿ superou a expectativa do governo. Recentemente, o presidente dos EUA afirmou, em visita à Índia, que gostaria de ver indianos assumindo a vaga.
¿O presidente Obama manifestou seu apreço à aspiração do Brasil de tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança e reconheceu as responsabilidades globais assumidas pelo Brasil. Os dois mandatários concordaram em manter consulta e cooperação contínuas entre os dois países com vista a alcançar a visão delineada na Carta das Nações Unidas de um mundo mais pacífico e seguro¿, diz o comunicado assinado pelos dois presidentes. Na reunião da ONU que autorizou o ataque aéreo à Líbia, o Brasil ¿ que ocupa uma vaga no Conselho de Segurança pelo sistema de rodízio ¿ se absteve de votar.
Nos diversos encontros em Brasília, Dilma ressaltou o fato de ser a primeira mulher a presidir o Brasil e Obama, o primeiro negro a comandar os EUA. Na troca de gentilezas, ela citou Martin Luther King, enquanto Obama citou Juscelino Kubitschek. No fim do dia, Obama e família chegaram ao Rio.
Dez acordos bilaterais assinados
Mais cedo, após reunião de trabalho com Dilma no Planalto, Obama tratou do tema de maneira genérica. E surpreendeu até diplomatas americanos, que não esperavam citação direta à reforma do Conselho de Segurança, tema abordado com ceticismo em Washington. Por isso, embora não seja um apoio formal, as mensagens foram comemoradas pelo Itamaraty como um avanço significativo.
¿ Os EUA continuarão se esforçando para ter certeza de que as novas realidades do século XXI serão refletidas nas instituições internacionais, como disse a senhora presidente, incluindo as Nações Unidas onde o Brasil aspira a um assento permanente no Conselho de Segurança. Como falei à presidente Rousseff, os EUA continuarão a trabalhar tanto com o Brasil quanto com outras nações nas reformas que vão tornar o Conselho de Segurança mais eficaz, eficiente e representativo para poder levar adiante nossas visões compartilhadas de um mundo mais seguro e pacífico ¿ afirmou Obama, diante de jornalistas.
Hoje, cinco países têm assento permanente: EUA, China, Rússia, França e Reino Unido. Nos debates que devem esquentar daqui para a frente, o G-4, bloco formado por Brasil, Índia, Japão e Alemanha, disputa esse status, que permite, entre outras vantagens em relação aos membros rotativos (mandato de dois anos), o poder de veto.
Se no Itamaraty houve entusiasmo, o secretário especial de Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, admitiu que esperava mais de Obama:
¿ Não fiquei frustrado. Claro que gostaríamos que mais um país, como (já fizeram) o Reino Unido, a França e outros, aderisse à nossa demanda. Mas sabemos que é um processo que não vai se resolver neste mês ou ano.
Para os Estados Unidos, é difícil declarar em público apoio tão assertivo ao Brasil quanto o dado à Índia. Existe preocupação em não causar constrangimento, por causa dos vizinhos mexicanos. O México já deu sinais de que almeja a vaga no conselho.
Os gestos de simpatia não evitaram que Dilma falasse da ¿retórica vazia¿ na relação entre os dois países. Ela cobrou uma ¿relação entre iguais¿ e o fim das barreiras comerciais, que criam um abismo na balança comercial.
Segundo Dilma, tais distorções foram alimentadas pelo protecionismo, acelerado com a grave crise financeira que os EUA ainda tentam debelar.
¿ Somos um país que se esforça por sair de anos de baixo desenvolvimento, por isso buscamos relações comerciais mais justas e equilibradas. Preocupa-me igualmente a lentidão das reformas nas instituições multilaterais que ainda refletem um mundo antigo ¿ afirmou a presidente.
¿ Para nós, é fundamental que sejam rompidas barreiras que se erguem contra nossos produtos, etanol, carne bovina, algodão, suco de laranja, aço.
Ela enfatizou que interessa ao Brasil aprender ¿com nossos próprios erros¿. Segundo a presidente, foi preciso uma gravíssima crise econômica, para mover o conservadorismo que bloqueava a reforma das instituições financeiras.
¿ No caso da reforma da ONU, temos a oportunidade de nos antecipar. Este país, o Brasil, tem compromisso com a paz, a democracia, o consenso. Esse compromisso não é conjuntural, mas é integrante dos nossos valores: tolerância, diálogo, flexibilidade. É princípio inscrito na nossa Constituição, na nossa História, na natureza do povo brasileiro. Temos orgulho de viver em paz com os nossos dez vizinhos há mais de um século.
Dilma fez referência ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
¿ Sucedo a um homem do povo, meu querido companheiro Luiz Inácio Lula da Silva, com quem tive a honra de trabalhar. Seu legado mais nobre, presidente, foi trazer à cena política e social milhões de homens e mulheres que viviam à margem dos mais elementares direitos de cidadania.
A pauta bilateral resultou em dez acordos. A crise na Líbia entrou em debate, recebendo menção na declaração pública. Ele chegou a Brasília pouco antes das 7h30m. O Air Force One pousou na Base Aérea. A bordo, além do presidente, estavam a primeira-dama, Michelle, as filhas do casal, Malia e Sasha, a sogra de Obama, Marian Robinson, uma parente da família e a comitiva oficial dos EUA.