Título: A explosiva realidade do sistema penal
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Fonte: O Globo, 20/03/2011, Opinião, p. 6

O sistema penitenciário do Brasil abriga uma bomba-relógio, alimentada por uma população carcerária de 475 mil presos (dados do Departamento Penitenciário Nacional relativos ao primeiro semestre de 2010) que se espremem num conjunto de cadeias com um déficit de 180 mil vagas. Ou seja, em média 16 detentos ocupam celas onde deveriam estar recolhidas no máximo dez pessoas. A proporção poderia ser maior: o número de mandados de prisão não cumpridos em todo o país praticamente equivale ao de encarcerados, uma ilegalidade que ajuda a retardar temporariamente o acionamento do detonador. Isso quer dizer que, se todos os que têm contas a acertar com a Justiça fossem para a cadeia, os presídios brasileiros estariam com o dobro de detentos. É fácil imaginar como se multiplicariam os problemas num sistema que já não dá conta de suas graves demandas atuais.

Junta-se ao déficit de presídios uma série de agravantes que dão tons assustadores a este quadro: o número de detentos aumenta a uma média de 7,3% ao ano, sem uma contrapartida de criação de vagas; mais de 40% dos presos aguardam julgamento - outra ilegalidade que, na prática, condena pessoas sem culpa formalizada a cumprir penas em delegacias superlotadas; as grades não ocultam condições degradantes a que os presos são submetidos. Desse conjunto resulta uma política correcional tíbia, ou inexistente, que inverte o princípio da aplicação de penas - o de ressocializar. Em vez de recuperar cidadãos que tenham afrontado a lei, os presídios brasileiros se transformaram em escolas de aprimoramento da criminalidade.

Pela gravidade da situação, a política penal caiu na agenda do STF. O presidente da Corte, Cezar Peluso, sentenciou: "O sistema prisional não funciona. Há certos casos em que o que se faz ao preso é um crime do Estado contra o cidadão." Seu antecessor, Gilmar Mendes, que comandou mutirões para soltar pessoas presas ilegalmente, também foi duro: "Os presídios não são casas correcionais socializadoras, mas depósitos de seres humanos."

Como desativar essa bomba-relógio, com potencial explosivo para provocar tragédias humanas de proporções incalculáveis? Construir novas unidades prisionais é providência óbvia. "A demanda tem de ser atendida. Para isso, é preciso uma política pública que contemple construções", propõe o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho. Trata-se, no entanto, de solução de longo prazo. Há medidas de curto prazo que poderiam desafogar o sistema, como a aplicação de penas alternativas em lugar da reclusão em regime fechado, para criminosos de baixa periculosidade, e a adoção do monitoramento eletrônico de presos - já aprovado por lei federal, mas até agora implementado timidamente no país.

São providências que abririam vagas no sistema, nele deixando recolhidos aqueles que, de fato, ameaçam a segurança da sociedade ou tenham cometido crimes que não os credenciam a obter benefícios penais. Tais medidas devem fazer parte de uma reforma mais ampla de todo o sistema, de modo a fazê-lo cumprir seu papel correcional, e que não pode prescindir de ações paralelas como a revisão da Lei de Execuções Penais. É o caminho para desativar a bomba.