Título: Procuradoria investigará impacto sobre pesca no Rio São Francisco
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 20/03/2011, Economia, p. 28

À MARGEM DO VELHO CHICO: Para TCU, "risco de superfaturamento" em contratos

Apesar da TV ligada nas casas o dia todo, moradores desconhecem ditador líbio

XIQUE-XIQUE (BA) e SÃO PAULO. Por sua magnitude, o projeto de irrigação Baixio do Irecê atraiu a atenção do Ministério Público (MP) do estado da Bahia. Este mês, o órgão abre licitação para contratar uma consultoria com o objetivo de avaliar os impactos ambientais. Entre os temores, está a diminuição da vazão do Rio São Francisco, o que poderia comprometer a pesca local, e o desmatamento das áreas que serão destinadas ao plantio.

Quem está à frente da iniciativa é a promotora Luciana Khoury, coordenadora do Núcleo de Defesa da Bacia do São Francisco do MP, que abrange 115 municípios. Segundo ela, o núcleo elegeu 30 empreendimentos em implantação na região para que sejam acompanhados com lupa.

- Estamos, no momento, levantando informações sobre o projeto. Vamos cobrar responsabilidade - diz ela.

As obras também estão na mira do Tribunal de Contas da União (TCU). Auditoria feita em 2009 apontou "risco potencial de superfaturamento" em um contrato firmado entre a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), estatal responsável pelo projeto, e a empresa de engenharia Emsa. Também constatou disparidades no recolhimento de ISS pela gaúcha Magna, que fazia a supervisão das obras.

Irregularidades foram corrigidas, diz Codevasf

Clementino de Souza, que ocupa a presidência da Codevasf interinamente, diz que as irregularidades já foram corrigidas. A Magna esclarece que houve uma confusão nas guias de recolhimento do município de Xique-Xique - base do projeto -, mas que a situação já foi normalizada. Procurada, a Emsa não retornou as ligações do GLOBO. Segundo o TCU, as respostas das empresas estão sob análise.

Apesar do interesse no Baixio do Irecê, os promotores desconhecem o interesse da Líbia no projeto. Entre os moradores do entorno do empreendimento também reina o desconhecimento. Como as casas têm energia elétrica, as TV ficam ligadas o dia todo. Mas apesar da veiculação diária de notícias sobre a Líbia, praticamente ninguém ouviu falar em Muamar Kadafi.

Morador da comunidade de Carneiro, Lucas Neto da Silva, de 59 anos, é uma exceção. Perguntado se já ouvira o nome Kadafi, respondeu afirmativamente e ainda decretou sua deposição, antes mesmo de uma possível intervenção armada das Nações Unidas na Líbia.

- É aquele ex-presidente daquele país que eu esqueci o nome, que aparece na TV.

BC líbio é acionista de banco que atua no Brasil

Além do interesse no Baixio do Irecê, o governo da Líbia tem investimentos no sistema bancário brasileiro. O Banco ABC Brasil, voltado para crédito a pequenas e médias empresas, é controlado pelo Arab Bank, com 58% das ações. E este tem entre seus controladores o Banco Central da Líbia (59,4% do capital). Em 2003, o ABC pagou R$300 mil ao Pão de Açúcar pela marca Sé Supermercados. A ideia era revendê-la para outro investidor, mas isso não aconteceu. Embora ela não tenha sido ressuscitada, integra o ativo do banco.

No Banco Central, não há registro de estoque de investimentos diretos entre 1995 e 2000. E o fluxo entre 2001 e 2006 (dados disponíveis) soma apenas US$510 mil. Mas isso não quer dizer que a Líbia não tenha investimento direto no país. Este pode ter vindo via paraísos fiscais, movimento que o BC não consegue verificar.

COLABOROU Aguinaldo Novo