Título: Dor que revela a face envelhecida de um país
Autor: Sarmento, Claudia
Fonte: O Globo, 20/03/2011, O Mundo, p. 50

Tragédia afetou em cheio a população idosa japonesa, que ocupa abrigos de refugiados

VOLUNTÁRIO AJUDA uma senhora a fugir de Futaba, que fica a cinco quilômetros da usina nuclear de Fukushima, para um centro de evacuação em Saitama

OSAKA, Japão. Quando se fala em Japão, o Ocidente, em geral, pensa em alta tecnologia e modernidade. Em outras palavras, no rosto jovem de cidades grandes, como Tóquio ou Osaka. Mas a tragédia que abalou o país na última semana mostrou ao mundo o que os japoneses já sabem há décadas e que os preocupa muito, principalmente num momento em que há milhares de desabrigados e ordens de retirada em massa: o Japão está envelhecido. Nos municípios menores ¿ os mais atingidos pelo terremoto e pela tsunami ¿ os idosos são maioria, porque os mais moços não querem saber de arrozais, pesca e isolamento.

O Japão tem o maior índice de idosos do mundo: 23% da população tem 65 anos ou mais. A taxa de fertilidade (1,27) só perde para a da Coreia do Sul. Tanto em Sendai, que teve muitas comunidades varridas do mapa pelo terremoto e pela tsunami, quanto em Tóquio, ameaçada de radiação, uma das maiores preocupações dos serviços de segurança era como ajudar a quem tem mais dificuldade para se locomover. Num abrigo de refugiados visitado pelo GLOBO depois da tragédia na região costeira, chamava a atenção a apatia dos mais velhos. Enrolados em cobertores, sentados no chão em silêncio, esperando que alguém dissesse o que deveriam fazer, os idosos eram um retrato de um Japão arrebentado.

Fé na recuperação e na tecnologia japonesa

Alguns têm lembranças da Segunda Guerra, mas é um assunto sobre o qual a maioria não quer falar. Não se recusavam a contar suas histórias, mas desviavam o olhar e evitavam a pergunta quando o discurso do premier Naoto Kan ¿ que definiu a crise como a pior desde o conflito ¿ era mencionado.

¿ Isso tudo se assemelha muito aos tempos de guerra. A diferença é que agora o Japão luta contra as forças da natureza. Minha família é de Fukushima e estou muito triste, mas, como disse o imperador, temos que ter forças. Se eu tivesse que fugir, seria muito difícil, porque tenho problemas de coluna ¿ disse Sayuri Inokuchi, aposentada, de 81 anos.

Yumiko Nishida, de 82 anos, foi criada em Hiroshima e reviveu, nos últimos dias, o horror de uma destruição atômica.

¿ Quando vejo as notícias sobre a usina, penso na radiação causada pela bomba. Na época minha família se refugiou em Fukuoka, no sul do país. Tenho muito medo, mas acredito na recuperação e na tecnologia japonesa ¿ disse Yumiko, retirada pela família de Tóquio e levada para Kioto, ao sul.

O desastre também lembrou ao mundo que o rico Japão tem um lado não tão desenvolvido assim. Para se chegar ao Nordeste por uma rota segura, era necessário atravessar províncias voltadas para a agricultura, como Niigata e Yamagata, no Noroeste. Na zona rural há cidades que estão desaparecendo, por falta de habitantes.

A preparação do país para terremotos e tragédias naturais inclui planos voltados para os idosos, mas em Sendai não houve tempo para que os mais lentos reagissem. Nos abrigos, nem todo mundo perdeu tudo, mas o terror do que sentiram, sozinhos em suas casas, os impedia de voltar. Preferiam ficar cercados de quem, talvez, pudesse ajudar.

¿ Tenho medo do que pode vir, mas estou tomando remédios para problemas cardíacos, e isso pode dificultar uma possível fuga. Tenho rezado bastante para que nossas vidas voltem ao normal ¿ disse o aposentado Yutaka Shimabukuro, 78 anos. (Claudia Sarmento)