Título: Radiação acima do normal em água e comida
Autor: Sarmento, Claudia
Fonte: O Globo, 20/03/2011, O Mundo, p. 50

Governo japonês proíbe venda de alimentos da região do desastre, mas diz que não representam risco à saúde

UMA MULHER RECOLHE água que vaza de um bueiro na rua, em Ishinomaki, no norte do Japão: partículas de iodo radioativo foram detectadas

O governo do Japão anunciou ontem a proibição da venda de alimentos provenientes da província de Fukushima, onde se encontra a central nuclear, depois de confirmar que níveis de radiação acima do normal foram detectados no leite produzido na região e também no espinafre cultivado na vizinha Ibaraki. O governo confirmou também que partículas de iodo radioativo foram detectadas na água de Tóquio e de outras cinco localidades do país.

Os índices de radiação encontrados no leite e no espinafre não representam perigo imediato para a saúde, segundo autoridades, mas reforçam um dos maiores temores da população: a contaminação alimentar, uma das consequências mais mortais do acidente nuclear de Chernobyl, na Ucrânia. O leite analisado foi produzido a mais de 30 quilômetros da usina. Na água foram encontradas partículas de iodo radioativo, mas as autoridades garantiram que o volume detectado não excede os limites de segurança. Aumenta, no entanto, o medo de que tenha havido um vazamento mais grave na usina.

Caminhões pipa voltaram a despejar água nos reatores

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), organismo da ONU, disse que os níveis de radiação em Fukushima se estabilizaram em patamares ¿significativamente mais altos¿ do que o normal.

Na usina, as equipes continuavam sua corrida contra o tempo e conectaram um cabo de energia ao exterior do complexo, numa tentativa desesperada de fazer as bombas de água voltarem a funcionar para resfriarem os reatores. Até o final do dia, não havia confirmação sobre o resultado dessa tentativa, enquanto a população já se questionava se o Japão era realmente tão tecnologicamente eficiente quanto se acreditava.

A evacuação dos moradores na zona de 20 quilômetros ao redor de Fukushima já foi efetuada. Quem está a 30 quilômetros continuava tentando sair ou deveria ficar dentro de casa. A rede japonesa NHK afirmou, citando fontes oficiais, que restabelecer a energia dos reatores 3 e 4 levaria mais tempo. A mesma operação, com um cabo externo de energia, era tentada nos reatores 1 e 2 e parecia mais promissora.

Ao mesmo tempo, caminhões pipa dos bombeiros voltaram a despejar água sobre as piscinas que cercam os reatores para baixar sua temperatura, impedindo um vazamento radioativo. Foram usadas 60 toneladas de água em mais de sete horas de operação.

Temperatura nos reatores 1 e 4 ultrapassa 100 graus

Helicópteros das Forças de Defesa sobrevoaram a instalação para checar mudanças na temperatura da água das piscinas. O ministro da Defesa, Toshimi Kitazawa, informou que nos reatores 1 e 4 as temperaturas estão em torno de 100 graus Celsius, ou seja, não houve aumento em relação aos últimos dias. O ideal é que a água fique a 40 graus. Quando essa temperatura sobe, como ocorreu desde o terremoto que paralisou o funcionamento das bombas de resfriamento, o volume de água desce e expõe as varetas de combustível nuclear, que poderiam derreter e liberar uma alta carga de material radioativo, um cenário de catástrofe atômica.

¿ Estamos tentando controlar a situação, mas ainda estamos numa fase imprevisível ¿ admitiu Edano.

O jornal ¿Yomiuri Shimbun¿, um dos maiores do país, noticiou ontem que o governo japonês recusou a oferta inicial de ajuda técnica americana, por achar esse recurso ¿prematuro¿. A oferta teria sido feita horas depois do terremoto e poderia, segundo especialistas ouvidos pelo jornal, ter controlado a situação, que acabou se transformando num pesadelo.