Título: Surto de dengue chega à Zona Sul
Autor: Lisboa, Vinícius; Alves, Maria Elisa
Fonte: O Globo, 22/03/2011, Rio, p. 14

Cosme Velho é 1º bairro da região a ter alta incidência; em 3 meses cidade tem mais casos que em 2 anos

Adengue, que já fez mais de 13 mil vítimas no estado desde janeiro, avança agora em direção à Zona Sul do Rio. Pela primeira vez este ano, um bairro da região enfrenta um surto da doença. O local onde o mosquito Aedes aegypti tem causado estragos é o Cosme Velho, que entrou ontem na relação das 14 áreas da capital em situação gravíssima. Lá, a proporção de casos é de 314 para cada cem mil habitantes. A taxa acima de 300 já é indício de surto - o que faz da Glória, com 282 casos por cem mil, forte candidata a ser o próximo bairro da Zona Sul a passar pelo problema. Até agora, em apenas três meses, a cidade teve 8.315 notificações de dengue, mais que o total dos anos de 2009 e 2010 somados (5.843).

Fazem parte da estatística atual de surto, no entanto, bairros espalhados por todas as regiões da cidade: além do Cosme Velho - que tem apenas 23 casos, mas uma taxa alta porque a população, de pouco mais de sete mil moradores, é pequena -, passam pelo problema Cocotá (Ilha do Governador), Saúde, Santo Cristo, Centro, Catumbi, Rio Comprido, Paquetá, Santa Teresa, Bonsucesso, Acari, Anil (Jacarepaguá), Barra de Guaratiba e Pedra de Guaratiba. Esta última tem a pior situação da capital: a incidência da doença é de 1.187 casos por cem mil habitantes. A vizinha Barra de Guaratiba tem 908 vítimas por cem mil, o que faz do bairro o segundo em pior situação na cidade.

Especialista alerta para subnotificação

Para o epidemiologista Edmilson Migowski, os números, embora altos, podem esconder uma realidade ainda pior. Segundo ele, a subnotificação pode mascarar a quantidade de vítimas:

- Muitos consultórios e hospitais particulares ainda não têm o hábito de fazer a notificação obrigatória. Fora isso, há casos de diagnósticos errados e até mesmo pessoas que têm dengue, mas não desenvolvem os sintomas. O número de vítimas pode ser até 30 vezes maior - afirma o especialista.

Para o entomologista Ricardo Lorenço, da Fiocruz, faltam serviços públicos eficientes em muitos dos bairros atingidos pelo surto:

- Bairros com fornecimento de água e esgoto mais precário, com coleta de lixo e limpeza mais irregulares, tendem a correr mais riscos, porque as pessoas armazenam água em recipientes não cobertos. Além disso, há o acúmulo de água em objetos abandonados.

Em todos os bairros atualmente com surto, a incidência para cada cem mil habitantes também é maior, de janeiro a março deste ano, do que a de todo o ano de 2010. Em Pedra de Guaratiba, por exemplo, a taxa registrada até a terceira semana deste mês já é cinco vezes mais alta do que a dos 12 meses de 2010. No Cosme Velho, a taxa de incidência este ano é sete vezes mais alta do que a do mesmo período de 2010.

Segundo Daniel Soranz, subsecretário de Atenção Primária, da Secretaria municipal de Saúde, a situação no Cosme Velho, em Pedra de Guaratiba e na Barra de Guaratiba não pode ser considerada surto se forem seguidos todos os critérios epidemiológicos. Ele usa a matemática como argumento.

- Se a taxa (para se considerar a situação como surto) é de 300 por cem mil habitantes, como bairros com dez mil moradores podem seguir esse cálculo? - afirma ele.

Segundo Daniel, não será usado fumacê no Cosme Velho para acabar com os mosquitos. Lá, só foram registrados oito casos este mês, o que mostraria que a curva da doença não é ascendente - outro critério para identificar surtos.

- A prioridade é atender bairros com taxas altas e números absolutos altos de casos. O mais importante neste momento é a população eliminar os focos. Dos doentes de dengue, 66% têm um criadouro do mosquito dentro de casa.