Título: Comércio ainda travado
Autor: Ribeiro, Fabiana; Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 22/03/2011, Economia, p. 21

Barreiras americanas impõem perdas de pelo menos US$2 bilhões por ano ao Brasil

Avisita do presidente americano Barack Obama ao Brasil foi vista por especialistas como uma importante iniciativa para destravar as relações comerciais com os Estados Unidos. Porém, a única medida concreta nessa área, a criação de um grupo de monitoramento das relações econômico-comerciais, um dos acordos assinados durante a visita, é apenas um primeiro passo, dizem analistas. Afinal, as barreiras americanas às exportações brasileiras ainda provocam prejuízos de ao menos US$2 bilhões por ano, segundo estimativas do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). E muitos entraves precisariam de mudanças legislativas, com aprovação de parlamentares americanos, para serem removidos.

Ontem, em São Paulo, em almoço com empresários, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Gary Locke, que estava na comitiva de Obama, disse que "ainda há muitos passos a serem tomados" para um comércio mais livre entre Brasil e EUA. Mas ele não sinalizou com o fim das barreiras a produtos brasileiros. Em outro evento com empresários, o presidente do Banco de Importação e Exportação dos Estados Unidos (Ex-Im Bank), Fred Hochberg, admitiu que, entre os países que a instituição considera prioritários, o Brasil é o que tem recebido menos recursos nos últimos anos.

O Brasil chegou a ter um superávit comercial de US$9,873 bilhões com os Estados Unidos em 2005. No ano passado, o resultado foi um déficit de US$7,732 bilhões.

- O tratado de cooperação econômica assinado (no fim de semana) é importante. O próximo passo que os empresários acreditam que deve ser tomado é a assinatura de acordos para acabar com a bitributação - disse o secretário de Comércio dos EUA.

Manufaturados perdem espaço

Segundos cálculos do Icone, apenas com as barreiras americanas ao algodão, o Brasil tem perdas anuais de US$1 bilhão, isso levando-se em conta que as cotações do produto não se manterão no atual patamar recorde. Em relação às carnes e ao etanol, os prejuízos chegam a US$400 milhões e US$600 milhões, respectivamente. Assim, apenas em três itens da pauta agrícola, são US$2 bilhões em perdas. Empresários apontam o suco de laranja e o aço como outros importantes produtos brasileiros que sofrem com as barreiras americanas.

- Avanços nas relações comerciais entre Brasil e EUA implicam modificações em legislação, como no caso do algodão, ou na esfera do Departamento de Agricultura dos EUA. E isso leva tempo, é um processo para dois, três anos - disse André Nassar, diretor do Icone, acrescentando que os países ainda precisam se proteger do apetite da China.

Ao ser perguntado se o governo americano pressionaria o Congresso pelo fim das barreiras contra produtos brasileiros, Locke respondeu:

- Atingimos alguns acordos sobre o algodão. Estamos felizes com os progressos que fizemos. Mas sobre o etanol, é uma decisão do Congresso americano. Nós precisamos que o Congresso aprove uma política energética (que envolveria o uso do etanol como biocombustível). Se conseguirmos, muitos desses assuntos serão resolvidos.

Locke reafirmou as intenções dos EUA de investirem mais no Brasil, principalmente em áreas como infraestrutrura e energia, mas fez críticas às dificuldades que as empresas americanas encontram aqui.

- Ainda há obstáculos aos investimentos dos EUA. Uma das questões é a alfândega e o tempo que os produtos americanos esperam nos portos - disse Locke, que citou também o peso dos impostos e a complexidade da legislação brasileira.

Antes do almoço com empresários na Câmara Americana de Comércio, o o secretário participou de um café da manhã organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), no qual ouviu reivindicações de relações mais equilibradas entre Brasil e Estados Unidos.

- Nos últimos seis anos, a relação com os Estados Unidos piorou para o lado brasileiro. Saímos de um superávit de US$8 bilhões para um déficit de US$8 bilhões entre 2004 e 2010. E esse déficit pode chegar a US$10 bilhões em 2011. Queremos um comércio mais equilibrado - afirmou Paulo Skaf, presidente da Fiesp.

Ele também disse que, em 2004, produtos manufaturados representavam 74% das vendas para os EUA. No ano passado, esse percentual caiu para 51%. O presidente da Fiesp explicou que o volume foi o mesmo, mas o perfil da exportação piorou para o Brasil, que passou a vender mais commodities para os americanos.

Pimentel alerta para avanço da China

Os empresários também discutiram com o secretário americano sobre a retomada da Rodada de Doha, de abertura comercial no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), e a renovação da inclusão do Brasil no Sistema Geral de Preferências (SGP, que dá prioridade a mercadorias de países em desenvolvimento), as barreiras dos Estados Unidos ao açúcar e ao etanol brasileiro e a possibilidade de um acordo para acabar com a bitributação.

Com a agenda comercial ainda está cheia de pendências, o Brasil perde espaço no financiamento às vendas para os EUA. Em palestra na Fiesp, Fred Hochberg destacou que, enquanto o Brasil vem recebendo menos recursos do Ex- Im Bank, os empréstimos para a Colômbia saltaram de US$30 milhões para US$3,5 bilhões nos últimos dois anos e os valores emprestados à Índia cresceram duas ou três vezes no período.

Para o Brasil, o banco anunciou recentemente um empréstimo de US$3 bilhões, sendo US$2 bilhões para o desenvolvimento de projetos relacionados ao pré-sal e US$1 bilhão para obras de infraestrutura, destinadas a eventos como a Copa e as Olimpíadas. No próximo mês, a Petrobras deverá receber a primeira parcela dos recursos, no valor de US$300 milhões.

Segundo Hochberg, o Brasil está incluído em uma lista de países que são considerados prioritários por apresentarem rápido crescimento e terem grande necessidade de investimento em infraestrutura. Também estão nesta lista Colômbia, Índia, China, México, Turquia, Nigéria, África do Sul e Indonésia.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, reforçou ontem o discurso adotado pela presidente Dilma Rousseff de que é preciso destravar o comércio entre Brasil e Estados Unidos. Segundo o ministro, que participou do encontro reservado dos dois presidentes, em Brasília, Dilma afirmou que o Brasil quer estabelecer canais mais diretos com os EUA, que não sejam "triangulados" pela China.

- Hoje, temos superávit com os chineses e déficit com os americanos. A presidente disse a Obama que o Brasil não precisa mais ter uma relação triangular com os EUA, via China - disse Pimentel, em encontro de empresários em São Paulo.

O ministro contou que Dilma reclamou a Obama que as matérias-primas brasileiras, como o minério de ferro, são exportadas para a China e viram produtos que são embarcadas para o mundo via mercado americano. As reclamações da presidente, segundo Pimentel, foram bem aceitas por Obama.

- O Brasil exporta matéria-prima para os chineses, que fabricam mercadorias para os EUA que, por sua vez, vendem para nós. Essa relação triangulada que a presidente disse que não podemos mais aceitar.

Pimentel disse que Brasil e EUA costuram um acordo para o lançamento de um satélite para monitoramento meteorológico. Já, na área de energia, a conversa girou em torno do interesse dos americanos no pré- sal.

- Obama disse que os americanos querem o (petróleo do) pré-sal. A presidente acoplou o pré-sal ao etanol, o produto e à nossa tecnologia.

Pimentel disse ainda que a redução dos encargos da folha de pagamento se tornou uma "obsessão" para a presidente Dilma. Tanto que ela pretende mobilizar o Congresso para aprovar, ainda neste semestre, medidas para diminuir o peso dos encargos trabalhistas.