Título: Já ultrapassamos o objetivo da resolução
Autor: Freire, Flávio; Ribeiro, Marcelle
Fonte: O Globo, 23/03/2011, O Mundo, p. 31

PHILIPPE MIGAULT

PARIS. Philippe Migault, especialista do Instituto de Relações Internacionais e Estratégias (Iris), em Paris, afirma que as divisões dos aliados em relação à intervenção na Líbia eram previsíveis e não vão comprometer o sucesso das operações.

As divisões na Otan e na UE sobre quem pilota as operações militares na Líbia não põem em risco esta intervenção?

PHILIPPE MIGAULT: Não. Dissensões na UE eram previsíveis e esperadas. Não dá para voltar atrás. Uma vez que nos engajamos numa guerra, não dá para interromper o processo só por causa de desacordos diplomáticos.

Quem deve comandar então as operações?

MIGAULT: Na história dos conflitos, pode-se ter uma coalizão sem ter um comando entre as forças (de vários países). Por enquanto, há uma coordenação entre as diferentes forças armadas. Se for a Otan, isso vai ser percebido como uma guerra ocidental contra um povo árabe e muçulmano. Não vejo quem poderia assumir.

Na coalizão atual, os países árabes também não estão presentes...

MIGAULT: Este é um problema. Mas a presença da Otan seria ainda mais significativa, porque a Otan já intervém no Afeganistão. Para a opinião pública árabe, a presença da Otan pode aumentar o sentimento de intervenção do Ocidente em questões internas árabes.

Há uma cacofonia quando se fala dos objetivos da operação. No Reino Unido, falou-se primeiro na saída de Kadafi, mas o premier David Cameron diz que este não é o objetivo. A falta de clareza pode complicar as coisas?

MIGAULT: O problema é que já ultrapassamos o objetivo da resolução, que era uma zona de segurança aérea, de forma que a aviação de Kadafi não possa bombardear Benghazi. Fomos muito além disso, bombardeando bases aéreas e os postos de comando líbios.

O senhor vê uma saída rápida para a crise líbia ou uma guerra civil prolongada?

MIGAULT: Se seguirmos o mandato da ONU, de neutralizar as forças armadas, vai ser rápido. Para desorganizar o dispositivo de defesa terrestre, precisaremos de mais 15 dias. Depois, uma vez neutralizadas as forças armadas, o que acontecerá? Como saímos da crise? Negociamos com Kadafi? Esta é a verdadeira questão.