Título: Sinais contraditórios no front da inflação
Autor:
Fonte: O Globo, 24/03/2011, Opinião, p. 6

Devido ao aquecimento excessivo da economia - imprimido pelo governo num ano eleitoral -, somado a efeitos internos da elevação de commodities no exterior, era previsto um início de ano com pressões inflacionárias acima das normais para o período.

O tema entrou na campanha presidencial, e a vitoriosa Dilma Rousseff repetiu necessárias e esperadas declarações de profissão de fé no combate à alta de preços. Ajudou, ainda, a acalmar inquietudes idêntico discurso assumido pelo indicado para presidir o Banco Central, Alexandre Tombini, já diretor da instituição. Porém, a ata da última reunião do Copom, quando os juros básicos (Selic) foram aumentados para 11,75%, fez surgir dúvidas diante do grau de rigor com que o governo continuará a enfrentar o surto inflacionário. Na ata, a direção do BC sinalizou aumentos menos intensos da Selic, compensados por apertos no crédito - também destinados a esfriar o consumo.

A estratégia tem grandes vantagens fiscais, pois o pagamento dos juros da dívida interna - mais de R$150 bilhões anuais - é um dos mais elevados na contabilidade pública. E, como cada ponto percentual na taxa equivale a R$10 bilhões adicionais por ano nas despesas públicas, conter a Selic - de preferência, baixá-la - é objetivo de qualquer governo. Mas entre o desejo e a vida real há grande distância, pois juros não se baixam à base de canetada. É imprescindível que haja condições macroeconômicas para tal, como queda consistente da inflação. Este não é o caso atual do Brasil.

Mais um fator a estimular suspeitas de um ataque à inflação menos vigoroso como seria necessário foi o governo anunciar o corte de R$50 bilhões no Orçamento ao mesmo tempo em que, por meio do endividamento público, injeta outros tantos no BNDES. Não é a primeira operação do tipo. A justificativa é que o banco necessita de recursos para financiar investimentos, os quais irão aumentar a capacidade produtiva e a infraestrutura, garantindo a atenuação da inflação no futuro.

A percepção de que o governo Dilma não tem a necessária convicção de que a luta contra a inflação é prioritária foi fortalecida com a entrevista da presidente ao jornal "Valor". Nela, Dilma se colocou contra "derrubar a economia" para conter os preços, e deixou claro concordar com o movimento contraditório de, enquanto se anunciam cortes, injetarem-se mais recursos subsidiados no banco estatal. Freia-se e acelera-se ao mesmo tempo. O problema está no fato de que a demanda agregada na economia continuará a sancionar aumento de preços. Mas a presidente disse ainda ao jornal que não considera a atual inflação "de demanda". Ora, não é o que acha o presidente do BC, defensor de uma contenção maior do crédito. Justo para esfriar a demanda.

Além de desconfianças nas convicções governamentais diante da inflação, surge outro problema: sinais contraditórios na cúpula econômica e no Palácio no front do combate à inflação, não bastasse parecer ele menos rigoroso que o necessário. Paira, ainda, um risco maior: de ser verdadeira a previsão feita por José Dirceu, em Salvador, de que o governo Dilma aplicaria o "projeto do PT". Confirmada a preocupante profecia, a inflação, já na faixa superior da meta de 6,5%, não cederá como se espera, e teremos quatro anos de uma administração medíocre.