Título: Portugal: rejeição de pacote econômico derruba premier
Autor: Sorano, Vitor
Fonte: O Globo, 24/03/2011, O Mundo, p. 30

Parlamento será dissolvido, mas o demissionário José Sócrates diz que pretende concorrer novamente ao cargo

LISBOA. Incapaz de aprovar o pacote de austeridade que prometeu à União Europeia, o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, do Partido Socialista, pediu demissão na noite de ontem. É o segundo líder da zona do euro a cair diretamente por causa da crise econômica, após o irlandês Brian Cowen. O Partido Social-Democrata, de centro-direita, é favorito a assumir a vaga.

- Estou convencido de que Portugal perdeu, não ganhou. Esta crise política tem consequências graves para a confiança que Portugal precisa das instituições financeiras e dos mercados financeiros - afirmou o premier demissionário.

Pacote havia sido elogiado pela União Europeia

Sem maioria no Parlamento nem apoio dos partidos à sua esquerda, os socialistas vinham dependendo do PSD para governar. Após viabilizarem três pacotes de austeridade no ano passado, porém, os social-democratas se negaram a fazer um acordo para o atual.

- Representaria um compromisso que comprometeria o seu futuro imediato como alternativa - disse o cientista político António Costa Pinto, da Universidade de Lisboa, ex-presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política.

No anúncio da renúncia, Sócrates acusou a oposição de calculismo político. A proposta vetada ontem havia recebido aplausos da UE.

- O PSD percebeu que as coisas estavam a correr bem. Por isso, não quis ver o PS como o grande salvador nacional - afirmou ao GLOBO o deputado socialista João Galamba.

Já o social-democrata Fernando Negrão afirmou:

- O governo se colocou numa estrada sem saída.

Com o pedido de demissão, o presidente Cavaco Silva deve dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, assim como fizeram os seus dois antecessores. Na sexta-feira, ele ouvirá os partidos políticos e, depois, convocará o Conselho de Estado. As novas eleições só devem ocorrer em dois meses e, durante esse período, Portugal é comandado por um governo de gestão, sem legitimidade para tomar medidas importantes.

Apesar da vantagem do PSD nas pesquisas, não há garantia de que consigam uma maioria, mesmo com o apoio quase certo do nanico CDS, de direita. Ontem, o líder desse partido, Paulo Portas, atacou o PSD por ter apoiado as medidas de austeridade anteriores.

Sócrates anunciou que se candidatará novamente a primeiro-ministro, posição que encontra apoio nos socialistas. O partido, porém, deverá perder força, segundo Costa Pinto. Além de estar em segundo mandato, o PS tem de lidar com o desgaste causado pelas medidas adotadas em razão da crise econômica. O desemprego é recorde, o governo cortou salários de funcionários públicos, diminuiu benefícios sociais, aumentou impostos e anunciou reduções nas aposentadorias e nas indenizações por demissão de emprego.

O desgaste do premier ficou evidente durante os dois grandes protestos que ocuparam o centro de Lisboa neste mês.

- Concordo com eleições. As pessoas devem ter oportunidade de mudar - arriscou a funcionária pública Emília Tavares,de 47 anos, na manifestação que foi considerada uma das maiores desde a Revolução dos Cravos, em 1974, ocorrida dia 12.

Na seguinte, no dia 19, os participantes carregavam faixas pedindo a troca de governo e criticando a submissão de Sócrates às condições impostas pela União Europeia.

Portugal também deve se tornar o terceiro país dos 17 da zona euro a recorrer à ajuda financeira externa composta pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, à semelhança de Irlanda e Grécia.

- Com o desmonte total do governo, é inevitável - avalia o economista Álvaro Santos Pereira, da Universidade Simon Fraser, do Canadá.

Crise política atrapalha reconquista da confiança

O veto de ontem barrou o trunfo que o governo ia apresentar hoje ou amanhã no Conselho Europeu, onde será discutida a flexibilização do apoio comunitário aos países endividados. Portugal contava com isso - e com declarações favoráveis dos líderes - para conseguir reconquistar a confiança dos investidores e baixar o custo da sua dívida. Hoje o país paga juros superiores aos exigidos nos apoios do FMI e da UE à Grécia, considerados insustentáveis até pelo ministro das Finanças. A previsão é piorar.

- O país não tem ninguém para concordar com o que quer que seja decidido no Conselho - disse Marc Ostwald, estrategista da Momentum Securities.