Título: Amostra de água contaminada assusta Tóquio
Autor: Sarmento, Claudia
Fonte: O Globo, 24/03/2011, O Mundo, p. 31

Risco de radiação faz EUA e Hong Kong suspenderem importação de leite, vegetais e frutas da região de Fukushima OSAKA, Japão. Doze dias depois do terremoto que deixou 23 mil pessoas entre mortos e desaparecidos no Japão, os moradores de Tóquio levaram ontem mais um susto e voltaram a correr para supermercados e lojas de conveniência, desta vez para estocar um produto específico: água mineral. O governo da metrópole anunciou que os índices de radiação da água estão duas vezes acima do limite considerado seguro para ser consumido por bebês ¿ um novo sinal de que os efeitos do acidente na usina nuclear de Fukushima, a cerca de 270 quilômetros, chegaram longe. Segundo as autoridades, a contaminação detectada em amostras da estação de tratamento de Kanamachi, que abastece Tóquio e outros cinco distritos, não representa perigo imediato para a saúde de adultos ou menores, mas os pais devem evitar dar água diretamente da torneira para crianças com menos de 1 ano, mais sujeitas aos efeitos do iodo radioativo. Reator 2 tem maior nível de radiação desde o terremoto O anúncio teve um efeito desanimador para quem achava que a vida da capital estava começando a voltar ao normal depois da tragédia do último dia 11, que já é considerada a mais cara da História. Os custos para reconstrução da região devastada foram avaliados ontem em US$310 bilhões, superando os estragos causados pelo terremoto de Kobe, em 1995, e pelo furacão Katrina, em Nova Orleans, em 2006. ¿ A água corrente pode ser usada, mas recomendamos que seja evitada na preparação de mamadeiras para bebês ¿ disse o governador de Tóquio, Shintaro Ishihara, que citou uma concentração de iodo-131 de 210 becquerels por quilo, o dobro do limite de 100 por quilo para crianças. Diante dos riscos crescentes de contaminação, os EUA anunciaram a suspensão da importação de leite, vegetais e frutas produzidos na área do acidente nuclear. Hong Kong fez o mesmo, e a Coreia do Sul pode ser o próximo país a bloquear as importações da região, que não é uma zona exportadora de peso (no ano passado respondeu por 0,6% do total das exportações japonesas). Além da radiação na água do mar e no leite dos arredores da usina, uma lista de 11 vegetais produzidos em províncias vizinhas ¿ como espinafre, brócolis e couve-flor ¿ apresentou índices radioativos acima do normal, tendo sua distribuição suspensa pelo governo. Num país onde os consumidores estão entre os mais exigentes do mundo quando o assunto é qualidade e procedência dos alimentos, a medida deverá mudar os hábitos da população, podendo se estender a produtos que não oferecem riscos, mas acabarão sendo vistos com desconfiança, como vários tipos de verduras. O governo japonês também teme um efeito cascata sobre as importações. ¿ Adotamos medidas para tirar de circulação tudo o que estava acima de um determinado limite de radiação. O que está à venda é seguro, mas isso talvez não esteja sendo compreendido por outros países ¿ disse o chefe de Gabinete, Yukio Edano, principal porta-voz do governo japonês na crise. Uma fumaça negra voltou a ser vista saindo do reator 3 da usina de Fukushima ¿ o mais danificado das seis unidades ¿ exigindo a retirada temporária dos homens que ainda lutam para impedir um desastre nuclear. A Tokyo Electric Power (Tepco), responsável pelo complexo, assegurou, no entanto, que nada de grave ocorrera na operação e que, uma hora depois, os esforços para religar as bombas de resfriamento dos reatores continuavam. Tanto a refrigeração quanto o sistema de emergência, com geradores a diesel, entraram em colapso quando a onda gigante invadiu o complexo. A Agência de Segurança Nuclear do Japão também alertou para os maiores níveis de radiação ¿ 400 vezes acima do normal ¿ medidos no reator 2 desde o terremoto. Já na unidade 1, a preocupação é com a temperatura ¿ estimada em cerca de 400 graus Celsius, pelo menos cem a mais que o limite. As bolsas da Ásia, que vinham dando sinais de recuperação, reagiram mal à notícia da contaminação da água de Tóquio e fecharam em baixa. Mas, um dos maiores especialistas do mundo em radiação, o médico americano Robert Gale, que tratou vítimas do acidente de Chernobyl, na Ucrânia, e também com o césio-137, em Goiânia, disse ontem que não há motivo para pânico. Para ele, ainda não há como comparar o que aconteceu na antiga União Soviética, em 1986, com a crise em Fukushima. ¿ Houve um grande avanço tecnológico. Os reatores soviéticos eram gigantes e protegidos apenas por construções convencionais. Os japoneses têm pelo menos duas estruturas de isolamento ao redor deles: uma cápsula de aço, que não existia na Ucrânia, e uma construção de concreto, afetada nas explosões. Essa diferença é fundamental por determinar a radiação vazada. Por enquanto, estamos falando de uma quantidade milhares ou centenas de vezes menor que Chernobyl ¿ minimizou ele, que está no Japão como consultor.