Título: Vaivém na fronteira
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 25/07/2009, Mundo, p. 26

Presidente deposto entra em seu país a pé, retorna à Nicarágua e faz a travessia novamente. Testemunha relata façanha ao Correio

Raphael Antonio Guillen Umanzor, empresário de Esteli, 23 anos, também estava no local, munido de um laptop com conexão via satélite e webcam, e enviou fotos ao Correio.

Tiros, feridos, toque de recolher, ameaça, tensão. Por volta das 15h50 de ontem (12h 50 em Brasília), o Correio entrou em contato, por telefone, com o consultor de empresas nicaraguense Raúl Antonio Mayrena Pérez, de 23 anos, que estava em Las Manos, a apenas 2km da fronteira com Honduras. No momento da entrevista, Raúl contou à reportagem que uma caravana se aproximava. ¿São cerca de 20 carros, muitas camionetes, todos estão com os faróis acesos e viajam a cerca de 60km/h¿, relatou. ¿Não sei se é o presidente Mel (como é chamado o líder hondurenho deposto Manuel Zelaya), mas é algo bem incomum por aqui.¿ Minutos depois, as agências internacionais de notícias confirmaram que se tratava de Zelaya. ¿Se ele entrar à força, pessoas vão morrer. Só quero que tudo fique em paz¿, acrescentou Raúl.

Raphael Antonio Guillen Umanzor, empresário de Esteli, 23 anos, também estava no local, munido de um laptop com conexão via satélite e webcam, e enviou fotos ao Correio. Ele testemunhou a chegada de Zelaya ao posto fronteiriço de Las Manos. ¿Mel ficou um momento dentro de seu carro, como que analisando o que faria, com toda a equipe de segurança¿, relatou ao Correio, pela internet. ¿O veículo estava estacionado a 100m da fronteira. Ele desceu, deu uma coletiva de imprensa e avisou que entraria em seu país¿, afirmou. Às 16h40 (13h40), Raphael disse ter visto Zelaya ingressar, caminhando, no território hondurenho. ¿Ele estava acompanhado de 500 pessoas. Os militares o avisaram que se ele chegar ao posto da imigração, a 50m de distância, será preso.¿ O líder deposto cruzou a fronteira sob os gritos de ¿Mel! Mel!¿ e ¿o povo unido jamais será vencido!¿. ¿As pessoas também gritavam que não se importavam em morrer pelo seu presidente¿, disse Raphael.

Segundo o nicaraguense, o líder deposto de Honduras avisou que tentará ultrapassar a barreira assim que civis do povoado de El Paraíso, a 10km, chegarem ao local. A estratégia de Zelaya seria uma forma de pressionar as autoridades hondurenhas a garantirem que ele se reuniria com a família em breve. ¿Tenho direito de voltar para minha casa, para minha família e voltar à Presidência¿, declarou o mandatário, em entrevista à rede de TV CNN. Por telefone, Zelaya afirmou à agência de notícias France-Presse que, assim que entrar em Honduras, fará um ¿apelo ao diálogo¿. Ele prometeu ¿conversar com as pessoas¿, por ser ¿um homem de paz¿. Por volta das 18h, Zelaya retrocedeu ao território nicaraguense, assegurou que o ato foi ¿simbólico¿ e jurou ficar no local ¿enquanto for necessário¿, mas retornou minutos depois a Honduras e pediu uma conversa com o Alto Comando Militar.

Pouco antes de a caravana alcançar a fronteira, confrontos entre simpatizantes de Mel e o Exército hondurenho haviam deixado pelo menos dois feridos. Os soldados teriam disparado balas de borracha contra os manifestantes. O presidente de fato de Honduras, Roberto Micheletti, chegou a alertar Zelaya sobre uma ordem de prisão contra ele e instou uma saída pacífica. ¿Eu faço um chamado a Zelaya para que evite essa provocação e desista de sua pretensão de provocar violência.¿

Em Tegucigalpa, o clima era de relativa tranquilidade. O analista político hondurenho Jorge Yllescas Oliva admitiu a existência de incerteza e preocupação, por parte da população, sobre o que pode ocorrer. ¿Existe uma sensação de que Zelaya foi imprudente, ao expor as pessoas. Pode haver alguma provocação das Forças Armadas ou da polícia, pois sabemos que existem setores fanáticos¿, explicou, em entrevista por telefone ao Correio. Em San Pedro de Sula, 140km ao norte da capital, pelo menos 100 mil pessoas saíram às ruas, em um protesto contra a manobra de Zelaya. ¿Elas marcharam com camisas brancas, em defesa da soberania do país.¿ Micheletti impôs um toque de recolher a partir do meio-dia de ontem (15h em Brasília).

Tenho direito de voltar para minha casa, para minha família e voltar à Presidência¿

Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras, pouco antes de cruzar a fronteira

Falta consenso no Mercosul

Os presidentes do países que integram o Mercosul manifestaram ontem a clara oposição ao golpe de Estado em Honduras, ao mesmo tempo em que apoiaram o retorno do presidente deposto, Manuel Zelaya. No entanto, não chegaram a um consenso para assinar uma declaração conjunta sobre o assunto. Os chanceleres não se entenderam na quinta-feira sobre os termos do documento, um dos mais esperados da cúpula, realizada em Assunção.

O respaldo à mediação do presidente costa-riquenho, Óscar Arias, foi o ponto de discordância entre os países-membros. Os delegados do Uruguai, Colômbia e Chile insistiram em incluir o parágrafo de apoio à iniciativa de Arias, mas a coordenadora venezuelana, Isabel Delgado, pediu aos presidentes do Mercosul e dos países associados para excluir menções à mediação. ¿O diálogo terminou, o processo de mediação terminou. Temos instruções precisas de comunicar que o presidente de Honduras terminou o diálogo e se dirige a seu país¿, disse a funcionária.

¿Acho que deveríamos ter um pronunciamento muito claro e contundente¿, disse a presidenta argentina, Cristina Kirchner. Ela propôs um projeto para não reconhecer os atos unilaterais dos golpistas, inclusive o chamado às eleições previstas para novembro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou o golpe ¿um retrocesso que nossa região não pode tolerar¿. Já o presidente boliviano, Evo Morales, deu a solução mais criativa. ¿Se o presidente (Barack) Obama quer que Zelaya volte, por que não empresta a pista desse Comando Sul que está em Honduras?¿, questionou, numa referência à base americana no país.