Título: Destino selado
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 26/03/2011, Economia, p. 29

OBradesco cedeu à ¿pressão massacrante¿ do Palácio do Planalto ¿ expressão usada por um de seus dirigentes ¿ e decidiu apoiar a destituição de Roger Agnelli do comando da Vale, maior empresa privada do Brasil. A decisão, antecipada pelo colunista do GLOBO Ancelmo Gois em seu blog, foi tomada ontem durante reunião em São Paulo entre o presidente do Conselho de Administração do banco, Lázaro Brandão, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), Ricardo Flores. Eles representam os três maiores acionistas da empresa: União (por intermédio da BNDESPar), Bradesco e fundos de pensão.

Oficialmente, nem a Vale nem o governo nem os acionistas se manifestaram ontem sobre o assunto.

Pelo acordo de acionistas da Vale, são necessários 75% dos votos para eleger ou destituir o presidente da empresa. O governo e os fundos patrocinados por estatais detêm 61,51% da holding que a controla a companhia (Valepar). Já o Bradesco tem 21,21%, daí sua importância na decisão de não reconduzir Agnelli à presidência após o fim de seu mandato, em 21 de maio.

Agnelli, há dez anos à frente da Vale, vinha sofrendo há um ano e meio um bombardeio do governo, descontente com seu alinhamento tímido ao plano estratégico de desenvolvimento desenhado pelo Palácio do Planalto, que previa mais investimentos no beneficiamento do minério de ferro. O desfecho não foi confirmado oficialmente, mas tanto o próprio Agnelli quanto Brandão conversaram ontem com interlocutores a respeito da decisão.

Ainda não foi fechado um nome para substituir o executivo, mas ele deverá ser escolhido nos quadros da própria empresa. Segundo fontes ligadas ao Conselho de Administração da Vale, presidido por Flores, o diretor executivo de Marketing, Vendas e Estratégia, José Carlos Martins, é um dos principais candidatos ao cargo. Ele está na mineradora desde 2004. Também está no páreo o diretor de Operações e Metais Básicos da empresa desde 2006, Tito Botelho Martins.

Aécio: `garras¿ do PT no setor privado

A reunião de ontem foi a segunda entre Mantega e Brandão em uma semana. O ministro da Fazenda foi designado interlocutor do governo pela presidente Dilma Rousseff e começou imediatamente as articulações para a troca de comando na Vale. O vazamento da informação do primeiro encontro, dia 18, causou mal estar no Planalto e deixou Dilma insatisfeita com a condução do processo por Mantega. Mas, como o prazo era exíguo, diante da proximidade da assembleia de acionistas, no dia 19 de abril, ele continuou à frente das negociações.

No Palácio do Planalto e no PT, houve discreta comemoração com a informação de que Roger Agnelli deixará o comando da Vale. Preocupado em não passar a imagem de ingerência política, porém, o governo evitou comentar o tema publicamente. A ordem no Planalto foi de cautela. Mas um ministro comentou que a saída dele ¿não chegava a ser uma novidade¿.

Nos bastidores, integrantes do comando do Bradesco classificaram de ¿pressão massacrante¿ o esforço do Planalto para tirar Agnelli do cargo. Diante disso, o banco decidiu não entrar em confronto. Para um interlocutor, o próprio Agnelli não escondeu ontem à tarde sua irritação, principalmente pela forma que estava saindo da Vale. Num desabafo, demonstrou preocupação com a repercussão internacional da ingerência política para forçar sua saída.

A oposição avisou que vai querer ouvir Mantega. Foi aprovado um convite para o ministro da Fazenda falar na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e outro na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) criticou o que classificou de ¿aparelhamento do PT no setor privado¿:

¿ Surpreende a forma desastrosa como a substituição foi feita na Vale. Não contente com o aparelhamento do setor público, o PT lança as suas garras no setor privado. Isso passou de todos os limites do respeito ao país e impõe um retrocesso enorme à modernização da economia brasileira. Vamos querer ouvir o ministro da Fazenda sobre esse péssimo exemplo ao mundo. É preciso explicar uma ação tão violenta, desprezando a assembleia dos acionistas. A partir de agora, quem assumir a Vale sabe que terá que se curvar aos interesses do governo.

O presidente do DEM, senador José Agripino (RN), também criticou:

¿ A operação Roger Agnelli é temerária. Na hora em que o Estado exige a saída de um gestor laureado é de ficar absolutamente perplexo com o que está para acontecer.

¿ Concordo que a mudança no comando de uma empresa privada é algo normal. Mas o que tem que pesar nessa decisão são os resultados e se a empresa estava bem administrada. Mas houve interferências políticas. Por isso, tudo fica muito suspeito. Não dá para administrar a Vale como o governo administra hoje a Petrobras ¿ acrescentou o presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE).

`Interesse dos majoritários¿

O líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), minimizou:

¿ Acho normal a substituição na Vale. Essa mudança era de interesse dos acionistas majoritários.

Agnelli mobilizou esta semana a oposição para tentar apoio político e permanecer na Vale. Aécio, Agripino e Guerra subiram à tribuna e criticaram a interferência do governo. O executivo fez o mesmo na empresa. Na quarta-feira, os diretores da mineradora ameaçaram entregar coletivamente os cargos caso a manobra para tirar Agnelli prosperasse. Alguns funcionários também manifestaram apoio ao executivo, vestindo camisas pretas.

Ciente de que tratava-se de uma estratégia para minar a legitimidade para tratar do assunto que o governo considera ter, o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, veio a público e disse que a Vale não era jurisdição do Planalto. Foi, porém, apenas um recuo estratégico, pois as conversas com o Bradesco já estavam adiantadas.

Ontem de manhã, Agnelli divulgou nota em que negava manobras políticas: ¿O que tenho feito nos últimos dias é o mesmo que fiz ao longo de toda a minha carreira: trabalhar. Não tenho envolvimento com qualquer questão política relativa a este assunto¿.

COLABORARAM Patrícia Duarte e Regina Alvarez