Título: Privatização marcada por batalhas
Autor: Nogueira, Danielle
Fonte: O Globo, 26/03/2011, Economia, p. 30

Em meio a muita controvérsia, a Vale ¿ à época, ainda do Rio Doce ¿ foi privatizada num leilão cuja negociação durou efetivamente apenas cinco minutos, em 6 de maio de 1997. O processo teve início em 1º de junho de 1995, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto 1.510, estabelecendo o Programa Nacional de Desestatização, que incluía a companhia. Em 10 de outubro do ano seguinte, o Conselho Nacional de Desestatização aprovou o modelo de privatização, e em 22 de janeiro de 1997, o então ministro do Planejamento, Antônio Kandir, anunciou que o leilão de venda do controle da mineradora ocorreria em abril.

A venda da estatal, no entanto, demorou um pouco mais: o BNDES divulgou o edital de privatização em 6 de março e exatamente dois meses depois, a Vale foi privatizada em leilão na Bolsa de Valores do Rio. O resultado surpreendeu: a empresa ficou com o Consórcio Brasil, formado por Companhia Siderúrgica Nacional ¿ de Benjamin Steinbruch e que havia sido privatizada no governo Itamar Franco ¿, quatro fundos de pensão (Previ, Petros, Funcef e Funcesp), Nationsbank e Opportunity. Com ágio de 19,99% (R$556 milhões), o consórcio superou o Valecom, do favorito Antônio Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim, que contava também com a parceria das gigantes Nippon Steel e Anglo American.

O leilão foi decidido em 46 lances: o primeiro às 12h11m, do Valecom, a R$26,27 por ação, e o último às 17h45m, do Consórcio Brasil, a R$32, totalizando R$3,338 bilhões por 41,73% da Vale. Ermírio chegou a oferecer R$31,80, mas foi impedido pelos japoneses de cobrir a oferta.

A venda da estatal estava inicialmente marcada para 29 de abril ¿ data em que mais de quatro mil pessoas protestaram no Rio ¿, mas uma verdadeira batalha jurídica impediu a concretização do negócio naquele dia. A venda acabou ocorrendo uma semana depois, graças a duas tréguas em meio a uma enxurrada de liminares ¿ dez anos depois, mais de cem ações ainda questionavam a privatização e, em 2010, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu o andamento de dezenas delas até que o órgão analise processo em que a empresa contesta as decisões conflitantes.

O leilão de privatização levou cerca de 300 pessoas às ruas do Centro. A manifestação começou às 9h em frente à Assembleia Legislativa, reuniu anarquistas, estudantes, funcionários públicos, entre outros opositores. Houve confronto com a polícia e a Rua Primeiro de Março chegou a ser fechada.

Entre as críticas à privatização está o fato de o preço mínimo da estatal não ter levado em conta o valor potencial de suas reservas de minério ferro na época, capazes de abastecer o mundo por 400 anos. Merrill Lynch e Goldman Sachs foram chamados para avaliar a Vale e ambos utilizaram o critério de fluxo de caixa. Em 1997, a Vale tinha cerca de 15.500 funcionários, faturava R$5 bilhões e lucrava R$632 milhões.