Título: Ações imediatas contra epidemia em 2011
Autor:
Fonte: O Globo, 25/03/2011, Opinião, p. 6

A chegada do vírus 4 da dengue ao Brasil era previsível. São grandes as dificuldades de estabelecer barreiras sanitárias nas extensas áreas de fronteira da região amazônica, principal porta de contaminação a partir da Venezuela, onde essa variação da doença já se consolidou como ameaça à saúde da população. Com a confirmação de dois casos em Niterói esta semana, o Rio de Janeiro entrou na rota de uma tragédia anunciada: a Secretaria de Saúde prevê, para o próximo verão, a eclosão de uma epidemia de proporções inestimáveis.

A perspectiva é que as autoridades sanitárias percam o controle da situação. Fatores alinhados por especialistas dão a dimensão dos riscos: como o vírus 4 ainda não circulou no estado, toda a população é suscetível de contrair dengue; em razão da tibieza com que o poder público e a população têm atuado no combate às causas da doença, não se contém a proliferação de mosquitos (de janeiro a meados deste mês já foram notificados mais de 26 mil casos); por fim, o vírus 2, que infectou os doentes atuais, continuará a circular no próximo ano. Problema adicional: com o vírus 4, os casos tendem a se tornar, além de mais numerosos, mais graves, principalmente para quem teve contato com as variações 1, 2 e 3 do vetor.

Pintado o cenário do que pode vir a ser a pior de todas as epidemias de dengue no estado (com a possibilidade de superar os números de 2008, quando a Secretaria estadual de Saúde contabilizou quase 260 mil notificações e 240 óbitos), trata-se agora de estabelecer, para já, um plano de emergência que reduza danos. Deixar para começar a agir somente quando o verão se aproximar apenas agravará um quadro que se delineia gravíssimo. Não cabem mais discussões bizantinas - sobre a paternidade do mosquito (se o Aedes aegypti é federal, estadual ou municipal) e se a responsabilidade pela eliminação de focos é preponderantemente do poder público ou da população. Essa é uma cruzada em que, além de cada um fazer a sua parte, se deve adotar uma política efetiva de colaboração entre os três níveis da administração pública.

Se, até aqui, pareceram frouxas as ações das autoridades sanitárias para conter o atual surto, que já atinge sete municípios do estado, medidas pelo crescimento de 30% do número de casos em uma semana, não é menos verdade que também a população não costuma dar melhor colaboração para mudar o quadro. Pesquisa divulgada ano passado pela Secretaria de Saúde mostrava que 91% das pessoas conhecem a dengue, 96% se recordam de campanhas contra a doença, mas 55% acham que, como o vizinho nada faz, elas não se acham estimuladas a tomar precauções, e preferem cobrar atitudes do poder público.

Este caminho, o das discussões estéreis, da leniência e da negação de responsabilidades, leva apenas ao agravamento de uma situação que se projeta como gravíssima. Em maior ou menor grau, a tarefa de minorar os danos provocados pelo mosquito é missão emergencial que se inscreve na agenda das autoridades e bate na casa de cada cidadão.