Título: Gigantesco complexo hospitalar vira elefante adormecido em Goiás
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 27/03/2011, O País, p. 3

SANTA HELENA DE GOIÁS (GO). A rotina dos 658 funcionários do Hospital de Urgência do Sudoeste de Goiás, em Santa Helena, a 200 quilômetros da capital, é curiosa. Todos os dias, vários deles pedem licença à segurança para assinar o ponto e batem em retirada. A unidade foi inaugurada com festa em dezembro, "pronta para funcionar", como bradou na comemoração o ex-governador Alcides Rodrigues (PP).

A estrutura está pronta, mas até hoje ninguém foi atendido. O hospital, que custou R$24 milhões, mostra que o desperdício na saúde não se limita aos procedimentos escusos nas transferências legais, mas avança sobre todo o sistema. A obra não passa de um gigantesco complexo hospitalar abandonado, recheado de equipamentos de última geração ociosos.

--- É revoltante. Dá vontade de chorar. As pessoas chegam de longe achando que vai ter atendimento - diz um dos seguranças, que pediu para não ser identificado.

O ex-governador fez a obra suntuosa em sua terra natal e na cidade onde a prefeita é a mulher dele, Raquel Vieira Rodrigues (PP). Rodrigues decidiu transformar Santa Helena em um polo de atendimento de média e alta complexidade para 500 mil moradores de 27 cidades do sul de Goiás, com capacidade para 5.400 atendimentos/mês e 122 leitos. Porém, o novo governo, comandado por Marconi Perillo (PSDB) - antigo aliado e, agora, desafeto de Rodrigues -, já deixou claro que, se pudesse, não abriria o hospital na cidade. Entre os gestores atuais, cada um tem uma versão para o elefante adormecido.

Secretário de Saúde critica localização do hospital

O secretário de Saúde, Antonio Faleiros, alega que o contrato tem "erros grosseiros". A obra e a contratação do pessoal também teriam sido irregulares.

- Ele (hospital) foi feito pura e simplesmente por ser na cidade do governador. Não tem nenhuma característica regional naquela cidade. O fluxo de estradas, o tamanho da cidade... Rio Verde (a 45km de Santa Helena) é muito mais central. Eu não faria em Santa Helena - diz Faleiros.

Já o diretor da unidade, Reginaldo Costa Biffe, afirma que o problema é bem mais simples:

- O que está atrapalhando é o processo (de contratação) em relação aos estatutários. É a única situação que nós temos que aguardar para definir e marcar a data - afirmou.

Por tudo isso, "só Deus sabe" quando vai abrir, como diz outra funcionária da portentosa unidade. Além do tomógrafo de última geração, dos aparelhos de raios-X e dos 18 leitos de UTI inutilizados, a bateria das duas UTIs móveis paradas já descarregou por falta de uso. Agora, o secretário faz estimativas sobre a inauguração de verdade.

- Acho que em três meses dá para fazer essas adequações e colocá-lo em funcionamento - promete.

No hospital que funciona de verdade, "falta quase tudo"

O hospital que funciona, de verdade, fica ao lado do que está fechado. É o Hospital Municipal de Santa Helena, que não dá conta de atender todo mundo e, para evitar a morte dos pacientes graves, transfere-os para Goiânia. No Municipal, a rotina é a dor. Como não há respirador, o oxigênio sai diretamente da "bala" (cilindro) para o pulmão dos pacientes. Não há um desfibrilador externo.

-- Este mês, perdemos um paciente na estrada. Aqui não vai ter UPA (Unidade de Pronto Atendimento) por causa desse hospital que não funciona. Falta quase tudo aqui -- lamenta a enfermeira Lorraine Gomes.

O desperdício de dinheiro não é exclusividade de Goiás e pipoca pelo Brasil inteiro. Em Teresina, por exemplo, o Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí, pago pelo Ministério da Educação, está sendo construído há mais de 20 anos, mas a obra continua incompleta e inacessível até mesmo aos estudantes. Nem o Ministério Público sabe quanto já se gastou por lá.

-- Não sei se é improbidade administrativa, não sei se é incompetência. Creio que falta de verba não seja -- opina Anderson Lopes, estudante de Ciência de Computação, de partida para o saturado hospital municipal, onde vai pegar um atestado de educação física.