Título: As lições do inimaginável
Autor: Rocha, Carla ; Motta, Paulo
Fonte: O Globo, 27/03/2011, Rio, p. 16

A tragédia na Região Serrana, em que as montanhas escorreram matando quase mil pessoas, tem tanto a ensinar para a melhoria da segurança das usinas atômicas de Angra dos Reis quanto a crise nuclear em Fukushima, no Japão. É que o inimaginável - que, no caso japonês, foi um poderoso terremoto, seguido de uma gigantesca tsunami - também pode ocorrer por aqui. De intensidade jamais vista, as chuvas de janeiro mostraram que, no Rio, o risco vem dos deslizamentos. A Eletronuclear, empresa responsável por Angra 1 e 2 e pelas obras de Angra 3, já criou uma comissão para estudar o assunto, e uma consultoria externa será contratada para reavaliar a segurança das encostas no entorno da central.

- Nós estamos sempre monitorando e reavaliando cada trecho de encosta. Às vezes, identificamos a necessidade de fazer uma nova obra ou refazer alguma antiga. Mas os últimos acontecimentos mostraram que o inimaginável pode acontecer. Queremos uma segunda opinião. Não basta nossa certeza, queremos o parecer de pessoas da academia, que podem analisar a questão de forma independente - afirma o gerente de engenharia civil e estruturas metálicas da Eletronuclear, Diógenes Salgado Alves. - Não fabricamos salsicha. O nosso negócio nos obriga a avaliações constantes.

Área já teve grande deslizamento

Em 1985, um grande desastre mostrou que o inimaginável não é tão inimaginável assim. Uma enxurrada provocou um gigantesco deslizamento exatamente na face oposta da montanha do local onde está Angra 1, abrindo uma cratera na Rodovia Rio-Santos, soterrando o Laboratório de Radioecologia da Eletronuclear e quase fechando a saída de água da refrigeração da usina. A avalanche destruiu ainda a marina e os barcos de funcionários, formando uma onda tão grande que cobriu uma ilha em frente.

O complexo de usinas de Angra é cercado por montanhas que formam um U. Em frente está o mar. Por baixo da densa cobertura, as rochas são basicamente de granito e gnaisse, e a evolução geomorfológica da região está ligada ao tectonismo terciário, típico da Região Sudeste, com seus patamares escalonados, como degraus sucessivos, que garantem os belos recortes da Serra do Mar. O conhecido histórico de deslizamentos ao longo de toda a Rio-Santos, rodovia que passa pela usina, dá a dimensão do desafio imposto pela natureza do lugar.

No momento, os técnicos da Eletronuclear trabalham em duas intervenções, que parecem cirurgias de alta complexidade. Num pedaço de encosta está sendo feita uma contenção com berma (em que pedras sobrepostas são usadas para melhorar a estabilidade do morro). Tudo porque foi detectada uma movimentação de dois milímetros por mês no local, o que representa pouco mais de dois centímetros por ano. Num outro trecho, antigos tirantes (cabo de aço para prender os muros de concreto à rocha) com sinais de ferrugem estão sendo substituídos. Células de carga, que medem o peso suportado pelos tirantes, foram instaladas para saber se, ao longo dos anos, o que é muito incomum, houve alguma mudança significativa que leve à utilização de um número maior de tirantes. Um preciosismo: milímetro a milímetro, miligrama a miligrama.

- Há oito pontos que foram apontados como mais críticos num grande estudo geotécnico feito em todo o Sítio de Itaorna e que são constantemente vigiados - explica o engenheiro geotécnico José Evaldo Soares, responsável por todo o monitoramento das encostas próximas às usinas.

Ao contrário do que se imagina, os reatores nucleares - onde a energia é gerada - não são os maiores focos de preocupação em se tratando de intempéries. Aqui, como em todo o resto do mundo, eles - assim como os rejeitos do combustível utilizado (varetas de urânio) - ficam dentro de prédios blindados, capazes de resistir a terremotos ou tsunamis, por margem de segurança, em intensidade muito superiores às médias dos fenômenos calculadas para cada local. As usinas de Angra foram feitas para resistir a terremotos de até 7 graus na escala Richter e a ondas de até seis metros - há diques que podem ser vistos da praia.

Outras instalações também merecem atenção. Os depósitos de rejeitos de média e baixa atividade - roupas usadas pelos operários, equipamentos que tiveram contato com material radioativo, entre outros - ficam em depósitos iniciais. Há ainda os geradores a diesel, para manter o funcionamento da usina em caso de desligamento do reator, e as torres de energia do sistema interligado no terreno.

O diretor de operações da Eletronuclear, Pedro Figueiredo, diz que, depois do Japão, as usinas do mundo inteiro estão revendo seus protocolos.

- É para a nossa própria tranquilidade e a do público. Os próprios fabricantes de equipamentos, depois de Fukushima, estão avaliando vulnerabilidades - afirma o diretor, observando que o procedimento é comum após eventos de grande magnitude.

Para o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), o especialista em segurança Édson Kuramoto, o monitoramento de Angra é extremamente cuidadoso:

- A questão da segurança é parecida com o que acontece na aviação. A diferença é que a operação de uma usina sofre uma fiscalização ainda mais rígida de órgãos internacionais, como a Associação Mundial de Operadores de Usinas Nucleares e a Agência Internacional de Energia Atômica.

Responsável por consultorias para a Eletronuclear no Sítio de Itaorna, o pesquisador da Coppe Willy Alvarenga prega que, a cada dez anos, toda encosta - mesmo após obras geotécnicas - seja reavaliada:

- A encosta que se move está sob controle. As outras estão longe. Houve obras de estabilização dentro da usina que já foram revistas e algumas refeitas na década de 90. Mas é prudente, pelo menos a cada década, fazer um amplo diagnóstico. Em princípio, toda encosta é vulnerável. A rocha se transforma em solo, e o solo, que é mais fraco, com o tempo escorrega. Há dez mil anos o Brasil esteve sujeito a chuvas muito fortes e algumas encostas escorregaram. Várias planícies de São Paulo e do Rio foram formadas nessa época porque escorregaram das montanhas e continuam escorregando em menor intensidade.