Título: Rejeitos estão até hoje sem destinação final
Autor: Rocha, Carla ; Motta, Paulo
Fonte: O Globo, 27/03/2011, Rio, p. 17

RIO e BRASÍLIA. Desde o início da operação da usina de Angra 1, em 1985, o Rio vem se tornando cada vez mais o enclave nuclear da federação. Hoje já existe mais uma usina em atividade, Angra 2, e uma terceira está em construção. Além disso, o estado abriga a unidade de enriquecimento de urânio e a Fábrica de Elementos Combustíveis, ambas em Resende. Juntas, as três usinas vão gerar mais de dois mil megawatts, que entram no chamado sistema interligado brasileiro, levando energia elétrica para todo o país.

Passados 26 anos, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) ainda não definiu o local onde será construído o repositório, destino final do lixo atômico. Os resíduos de média e baixa atividade, atualmente, são estocados em depósitos iniciais no terreno da usina. A central já acumula 6.650 embalados - entre tonéis e caixas - que estão em três prédios. Um quarto prédio abriga dois geradores de vapor de Angra 1, que foram substituídos em 2009.

A previsão é que o repositório esteja concluído até 2020. Mas, até agora, sequer a região do Brasil que o abrigará foi definida. E Angra 3 entrará em operação, produzindo mais lixo nuclear. Para ganhar espaço enquanto não chega a solução para os rejeitos, 2.027 tonéis já passaram por um processo de supercompactação.

Também ainda não foi aprovado pelo Congresso o pagamento de royalties ou outra forma de compensação financeira para o Rio. Socializaram-se os benefícios da geração de energia, mas privatizaram-se os riscos, que implicam, por exemplo, um plano de evacuação para a população do entorno da central.

Custo de royalties teria impacto nas tarifas

O próprio governador Sérgio Cabral, quando era senador, apresentou em 2004 um projeto que previa o pagamento de 5% de royalties sobre o faturamento bruto da atividade de geração. Diante desta possibilidade, a Eletronuclear fez um estudo sobre o assunto, com o objetivo de fazer sugestões ao projeto. O documento revela que, de 2000 a 2008, a empresa investiu R$213,3 milhões - ou R$23,7 milhões ao ano - em ações de compensação, algumas previstas no EIA/Rima das usinas, nas áreas de meio ambiente, educação e saúde. Um montante que representou 2,45% do faturamento bruto da Eletronuclear, de R$8,7 bilhões no período.

Se o pagamento de royalties já estivesse em vigor, este valor poderia ter passado de R$800 milhões no mesmo período. Somente considerando o faturamento bruto de 2008, o valor que a Eletronuclear teria que repassar alcançaria R$78,5 milhões. Além desses 5%, os gastos obrigatórios da empresa com compensação ambiental fariam o valor final despendido chegar a R$102,2 milhões.

O assessor da presidência da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, autor do estudo, observa que a cobrança vai impactar a tarifa, que é tabelada pelo governo, o que repassaria os custos da medida para o consumidor final. Ele acha que o razoável seria criar um modelo semelhante ao das usinas hidrelétricas. Nele, o percentual dos royalties é calculado sobre a tarifa de referência estabelecida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

- Se não, o custo fica muito alto. Como a nossa tarifa é tabelada, quem vai pagar o preço é o consumidor. Além disso, o ideal é que não haja sobreposição de ações. A Eletronuclear ficaria com as compensações ambientais, previstas no licenciamento, mas poderia repassar outras ações que são feitas espontaneamente, já que não são uma obrigação da empresa. A manutenção do Hospital da Praia Brava, que só se torna uma contrapartida obrigatória a partir de Angra 3, já vem sendo custeada por nós há muito tempo. Representa uma despesa de R$20 milhões a R$30 milhões por ano - afirma Guimarães.

O secretário de estado da Casa Civil, Régis Fichtner, pensa diferente. Para ele, a geração de energia nuclear tem características mais parecidas com o setor de petróleo, que gera royalties para o estado. Fichtner lembra que há riscos ambientais envolvendo tanto a atividade petrolífera quanto a nuclear, que são diferentes dos que envolvem a operação de hidrelétricas.

- Com os recursos dos royalties, poderíamos investir mais em prevenção, na própria estrutura da Defesa Civil e em outras medidas importantes, como a contenção de encostas na Rio-Santos e a manutenção da rodovia como um todo. Nosso objetivo agora é mobilizar a bancada do PMDB no Congresso para chamar a atenção para a importância do projeto de lei apresentado pelo então senador Sérgio Cabral, não só para o estado mas especialmente para Angra dos Reis, onde estão as usinas - afirma Fichtner.

Há outro projeto de lei tramitando no Congresso Nacional que já é chamado de royalty do urânio. O texto apresentado agora é do deputado Fernando Jordão (PMDB-RJ), ex-prefeito de Angra dos Reis, mas com uma diferença considerável: Cabral queria a destinação de 5% do que faturam as usinas para as prefeituras e governos estaduais. Jordão dobrou esse percentual para 10%.

Tragédia no Japão foi mencionada em projeto

Na divisão dos royalties, Jordão destina menos recursos para o governo do Rio do que Cabral. O projeto do governador previa que 30% do bolo fosse para o governo do estado. O deputado reduziu o volume e destinou 20% para serem divididos entre todos os 26 estados e também o Distrito Federal.

Pelas duas propostas, o município onde estão as usinas, Angra dos Reis, receberia 40% da compensação financeira, e as cidades limítrofes e próximas ficariam com 30%, caso de Paraty, Mangaratiba e Rio Claro. Jordão incluiu mais um grupo de cidades a serem beneficiadas, com 10% do total, que são os municípios onde forem instalados depósitos de rejeitos radioativos.

A justificativa nos dois projetos é a mesma. No seu texto, porém, Jordão incluiu o acidente ocorrido no Japão neste mês como mais uma razão para se compensar estados e municípios. Para os autores, a atividade nuclear impõe aos estados e municípios onde se situam as usinas, e também às cidades próximas, pesados ônus decorrentes da necessidade de prevenção contra efeitos danosos à população em caso de acidente. São gastos com manutenção de estradas de escoamento, treinamento de pessoal para orientação da população, hospitais bem aparelhados e investimentos em equipamentos especiais contra a radiação e sistemas de alarme e comunicação.