Título: Há motivos para se preocupar
Autor: UIp, David; Campbell, Ullisses
Fonte: Correio Braziliense, 26/07/2009, Brasil, p. 11

Infectologista diz que vírus é imprevisível e que a gripe suína pode atingir 25% da população

São Paulo ¿ Um dos maiores especialistas em doenças infecciosas do país, o médico David Uip faz um prognóstico sombrio quando se trata da Influenza A (H1N1), também conhecida como gripe suína: cerca de 25% da população brasileira poderá ter contato com o vírus. ¿Não sabemos do futuro, já que se trata de um vírus novo. Mais tarde, ele pode desaparecer ou se fortalecer a ponto de ficar resistente aos medicamentos que temos hoje¿, alerta. Apesar da previsão, o infectologista, que dirige o maior centro de referência em doenças infecciosas do país, o Hospital Emílio Ribas, diz que não se deve instalar o pânico. ¿O alarmismo que se vem fazendo sobre a doença afeta o psicológico do paciente e isso atrapalha na recuperação¿, avisa.

Uip reforça que o vírus da nova gripe circula em todo o país, de Norte a Sul, principalmente nas cidades que têm baixas temperaturas. Mas o médico ressalta que a população pode ter contato com a doença em qualquer lugar. Em entrevista ao Correio, Uip desfaz alguns mitos e esclarece mais sobre a doença que está assustando os brasileiros.

No início, o Ministério da Saúde dizia que a doença não iria se espalhar e que não havia motivo para a população ficar preocupada. E agora? Há motivo para preocupação? Na primeira fase, estávamos numa contenção. Agora estamos na fase de redução de danos. Isso sempre fez parte da estratégia do governo, que sempre soube que isso ia acontecer. Diria que há motivos, sim, para preocupação, mas não devemos instalar o pânico.

Mas o senhor disse que o número de casos, e de mortes, vai aumentar. É inevitável? Sabemos muito pouco sobre essa doença. Sabe-se que é um vírus que tem poder de transmissão bem maior do que o vírus sazonal (gripe comum). Para uma pandemia de gripe normal, por exemplo, necessita-se de pelo menos seis meses. Com a nova gripe, levou seis semanas. Quando aumenta o número de infectados, lógico, aumenta também o número de óbitos.

É cada vez mais frequente ver pessoas usando máscaras nas ruas, principalmente em locais em que há aglomerações. Ela é eficaz? A máscara só está indicada para quem tem a gripe, e serve para impedir que ela transmita o vírus às demais pessoas por meio de espirros. Quando mal usada, a máscara vira uma coletora de secreção que pode trazer uma série de danos à saúde.

É possível relacionar o aumento no número de casos em São Paulo a uma maior concentração do vírus? Certamente o principal motivo de haver mais casos em São Paulo é o número da população, além do tempo frio. São Paulo tem 20 milhões de habitantes e isso faz com que haja no estado mais pessoas contaminadas, mais complicações e mais óbitos.

Por que a gripe começa a se alastrar para as capitais? Essa doença está mais relacionada às condições climáticas do que logísticas, mas há uma maior multiplicação de vírus em locais aglomerados, comuns nas capitais. Só que é bom lembrar que vírus gosta de frio, isso quer dizer que teremos mais casos nas cidades em que a temperatura esteja baixa.

Então as cidades da Amazônia e do Nordeste terão menos casos? Se for considerar o que nós conhecemos até hoje do vírus, diria que sim. Como se trata de um vírus novo, precisamos de mais conhecimento.

O número de mortos está assustando a população¿ Antes, nós estávamos trabalhando com letalidade, que tem como numerador o número de infectados e como denominador o número de mortes. Isso é que está assustando a população. Assim, a média de letalidade era de 0,4%. Acontece que o mundo parou de trabalhar com essa equação porque cada notícia de morte acaba dando uma hiperdimensão. Desde a semana passada, o Ministério da Saúde trabalha com índice de mortalidade, ou seja, para cada 100 mil habitantes, o Brasil tem 0,18 mortes, que é um número baixo.

Considerando a taxa de mortalidade, quais outras doenças matam mais do que a gripe suína no Brasil? A gripe comum mata tanto quanto. As doenças cardiovasculares matam muito mais, além das causas externas. Há um elenco de 10 doenças que matam bem mais do que a nova gripe.

A gripe suína então é tão grave quanto a gripe comum? Neste momento, sim. O mesmo medicamento que o médico receita para a gripe comum é receitado para a nova influenza.

As pessoas dizem que é melhor pegar a nova gripe logo para criar imunidade agora do que deixar para depois. Isso é mito ou realidade? Já ouvi bastante isso. Há dois lados nessa história. Quanto mais o vírus circular no país, mais aumentará o número de pessoas doentes e de óbitos. Por outro lado, quanto mais contato as pessoas tiverem com o vírus, mais aumenta a imunidade natural porque esse contato cria anticorpos, aumentando a população de pessoas protegidas.

Então é melhor as pessoas procurarem a doença? Claro que não. Isso não seria inteligente. O processo tem que ser natural. Temos que evitar o risco, até porque ninguém sabe nada sobre esse vírus e isso faz com que não saibamos como será o futuro.

Como assim? Ninguém sabe como será a mutação desse vírus. Ele tanto pode desaparecer, como pode ficar pior do que está hoje. Pode até resistir aos medicamentos que temos.

E se ele ficar resistente, o que poderá acontecer? Será um problema, porque só há dois medicamentos para tratar essa gripe e outros dois que ainda estão em fase de testes clínicos. A grande expectativa é a vacina, que é apontada como única medida eficaz de prevenção.

Se um paciente chegar ao seu consultório com gripe suína, o senhor só tem dois remédios para receitar? Sim.

Por que uns pacientes sofrem mais do que outros quando pegam essa gripe? Porque umas pessoas estão com a imunidade mais alta do que outras. Um paciente imunodeprimido tem mais chances de ter complicações.

Quem está hoje no grupo de risco? Doentes crônicos, asmáticos, cardiopatas, doentes renais, obesos mórbidos, imunodeprimidos, transplantados, paciente com HIV que apresenta CD4 menor do que 200 e pacientes em tratamento oncológico, além de mulheres grávidas.

Sabe-se que é um vírus que tem poder de transmissão bem maior do que o vírus sazonal (gripe comum)¿