Título: Líderes europeus em apuros
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Fonte: O Globo, 29/03/2011, O Mundo, p. 23

Após assistirem ao revés sofrido pelos governos da Irlanda e de Portugal, os dirigentes das três maiores economias da zona do euro ¿ França, Alemanha e Itália ¿ tentam contornar duras derrotas no plano interno. Na França, o partido UMP, de Nicolas Sarkozy, amargou um mero segundo lugar nas eleições locais de domingo, apenas nove pontos percentuais à frente da Frente Nacional, de extrema-direita, e pesquisas indicam que o presidente não iria para o segundo turno no pleito de 2012. Na Alemanha, Angela Merkel perdeu um tradicional bastião democrata-cristão nas eleições estaduais para o Partido Verde, mas se recusa a responsabilizar falhas no seu governo pela derrota histórica. Já o problema enfrentado pelo premier Silvio Berlusconi é de outro cunho. Após perder uma proteção judicial, o Cavaliere se viu obrigado a se apresentar diante de um tribunal num processo de fraude fiscal ¿ o primeiro de uma longa série de julgamentos aos quais terá que comparecer, que incluem até acusações de prostituição de menores.

Crises ameaçam reeleição de Sarkozy Deborah Berlinck

PARIS. Crise econômica, crise de desemprego, crise moral, crise ministerial, crise da Europa. Na sucessão de letras "c" que têm marcado seus quatro anos na Presidência da França, Nicolas Sarkozy, agora, coleciona mais uma, cunhada por um dos líderes da oposição socialista, François Hollande: crise de autoridade.

A um ano das eleições presidenciais de 2012, o político de direita mais popular da França ¿ que muitos julgavam imbatível ¿ parece ter perdido o controle de seu partido e corre o risco de não se reeleger. Uma pesquisa publicada ontem revela que, se a eleição fosse hoje, Sarkozy seria eliminado num segundo turno pela nova face da extrema-direita francesa, Marine, filha do controverso Jean-Marie Le Pen. Marine dirige a Frente Nacional, no lugar do pai, e sua popularidade vai no sentido inverso da de Sarkozy: cresce.

Uma revelação que caiu como uma bomba na União por um Movimento Popular (UMP) ¿ o partido que reúne várias correntes da direita, no poder. As divisões dentro do partido ¿ entre os que querem seguir Sarkozy na sua guinada à direita, e os que querem trazer o partido para a direita moderada, como o primeiro ministro, François Fillon ¿ acirraram-se e saíram dos bastidores. Trata-se agora de uma guerra interna aberta. Um fiel de Sarkozy, Christian Estrosi, fez uma declaração exasperada na televisão francesa, ao falar sobre as divisões. ¿ Como colocar um fim nesta máquina de perder? Eu temo que, se continuarmos nesse caminho, não vamos conseguir reverter. Eu quero a reconquista e o sucesso de Nicolas Sarkozy em 2012 ¿ disse.

Desde o inicio do mês, três outras pesquisas resultaram na eliminação de Sarkozy no primeiro turno. A queda de popularidade do presidente ficou ainda mais evidente no domingo, com a derrota do UMP nas eleições locais.

O drama da direita francesa e de Sarkozy, em particular, é como se confrontar com o crescimento da Frente Nacional sem se identificar com o partido de extrema-direita. Atrair os votos da extrema direita é uma forma de eliminá-la. Isso explica os temas recorrentes no governo Sarkozy, como imigração e secularismo versus Islã ¿ assuntos que dividem a sociedade francesa, mas que estão no centro do debate político. O ex-ministro do governo de Jacques Chirac, Dominique de Villepin, adversário de Sarkozy dentro do partido, acha que para fazer face ao crescimento da Frente Nacional, a direita tem que insistir em debates que contam mais no bolso dos franceses do que questões de identidade nacional: emprego e poder de compra. ¿ Hoje não sou mais o único a dizer isso ¿ disse Villepin, referindo-se ao que chamou de "debates de identidade (francesa) estéreis que só fazem agitar os eleitores sem fazer progredir a República ou a democracia".

Numa conversa com leitores do site do "Le Monde", o diretor editorial do jornal, Gérard Courtois, chamou atenção para outro ponto: Sarkozy passou a representar uma rejeição pessoal para alguns franceses. ¿ O presidente se colocou na dianteira em todos os assuntos e decisões. De tanto intervir de maneira desordenada, ele acabou causando descrédito à palavra presidencial ¿ concluiu.

Merkel culpa terremoto no Japão por derrota BERLIM. Um dia após a derrota histórica no estado de Baden-Württemberg -¿ governado por 58 anos pelo partido Democrata-Cristão (CDU), de Angela Merkel ¿ a chanceler alemã culpou ontem o terremoto no Japão, e a polêmica sobre o uso de energia nuclear que a catástrofe provocou no país pelo resultado, rejeitando acusações de falhas dentro do próprio governo. Mas seu próprio ministro das Relações Exteriores, Guido Westerwelle, admitiu que se o governo estivesse em "melhor forma", a catástrofe no Japão não os afetaria tanto. ¿ O debate em conexão com a usina nuclear de Fukushima foi claramente o que nos levou à derrota. Esse é um momento divisor de águas para o estado e também para a história da democracia cristã ¿ afirmou Merkel.

O resultado permitirá pela primeira vez ao Partido Verde comandar um estado alemão. No meio político, é consenso que a crise japonesa foi decisiva para ajudar a turbinar os verdes, sobretudo no estado. Badem-Württemberg tem quatro das 17 usinas da Alemanha. Sete delas, sendo duas no estado, foram temporariamente fechadas depois que Merkel ¿ até então grande defensora da energia atômica ¿ decidiu suspender um plano para aumentar a duração de vida das centrais nucleares do país após o drama de Fukushima. Mas apesar do sentimento antinuclear que tomou a população alemã ¿ levando no sábado 200 mil às ruas de várias cidades pela desativação permanente das usinas ¿ a mudança de posição de Merkel foi vista como puramente eleitoreira. A acusação foi rechaçada pela chanceler: ¿ A maioria de nós é a favor do uso pacífico da energia nuclear. Eu era uma delas, mas, para mim, o Japão foi um evento de grande alcance. Por isso, vamos implementar cada palavra dita antes da eleição.

Os verdes, que se opõem à energia atômica, seriam os claros favorecidos pela controvérsia. Mas eles também tiveram mérito próprio. A imprensa alemã lembra que as pesquisas anteriores ao terremoto já apontavam para um bom desempenho do partido no estado, e diz que foi a reposta do governo alemão à crise japonesa ¿ e não o desastre em si ¿ que provocou descontentamento.

Outro evento internacional é ainda citado por ter influenciado o resultado eleitoral. Tradicionais simpatizantes da Otan, os eleitores de centro-direita teriam ficado indignados pela recusa da chanceler em participar da ofensiva aliada na Líbia. E questões de política interna, como impostos, foram citados como responsáveis pelo fiasco nas urnas.

Segundo analistas, esse conjunto de fatores poderia influenciar também as eleições em Berlim, complicando ainda mais a situação do governo. Diante desse cenário, membros do CDU fizeram questão de demonstrar apoio à chanceler, e afirmaram que não haveria mudanças no governo.

Sem proteção de lei, Berlusconi volta ao banco dos réus após 8 anos MILÃO, Itália. Após oito anos sem pisar num tribunal graças a um escudo jurídico com o qual podia se esquivar da Justiça, o premier italiano, Silvio Berlusconi, compareceu ontem a uma audiência em Milão no caso Mediatrade. Nesse processo, ele é acusado de fraude fiscal e apropriação indébita na compra, nos EUA, de direitos televisivos para transmissão de filmes na TV de sua propriedade. Do lado de fora da corte, cerca de cem policiais controlavam os ânimos de um grupo contrário a Berlusconi que confrontava verbalmente simpatizantes do premier ¿ que, segundo a imprensa local, receberam 20 e um sanduíche para comparecer.

A audiência ocorreu a portas fechadas, e Berlusconi não interveio nem foi interrogado. Os magistrados se concentraram em estabelecer um calendário para o processo, e marcaram a próxima audiência para o dia 4 de abril, na mesma semana em que o premier começa a ser julgado por abuso de poder e prostituição de menor no caso Ruby. Após uma hora e meia, Berlusconi deixou o local sob gritos contrários de "Silvio, você é um mito!", e "vergonha, peça demissão!". ¿ Foi tudo bem, obrigado a todos, vou voltar dia 4 de abril ¿ disse o premier, pela janela do carro. Foi a primeira vez que Berlusconi compareceu diante de um júri desde o caso SME, em 2003, quando foi acusado ¿ e absolvido ¿ de subornar um juiz. Naquela vez, Berlusconi se negou a responder às perguntas da promotoria e deixou a sala alegando que receberia um dirigente estrangeiro. No dia seguinte, seu governo aprovou o primeiro escudo jurídico de uma série.

Pouco antes do início do processo, Berlusconi participou de um programa do Canal 5 e voltou a afirmar que é "o homem mais acusado da História e do universo", lembrando que o caso Mediatrade é o 25º processo ao qual ele responde e, como sempre, "tudo não passa de uma tentativa de esquerda para eliminar o maior obstáculo para chegarem ao poder". ¿ São acusações sem fundamento e ridículas. Todos sabem que desde 1994 me afastei da Mediaset para me dedicar à política, ao país ¿ defendeu-se na TV. ¿ A Procuradoria de Milão (também responsável por levar Berlusconi a julgamento no caso Ruby) demonstrou ter contra mim uma fúria de perseguição inesgotável, mesmo diante de uma situação ridícula.

O premier lamentou a decisão do Tribunal Constitucional de suspender, em janeiro, parte do escudo judicial que o protegia da Justiça. Ele disse ainda que, a partir de agora, estará presente em todas as audiências. Até então, ele não havia comparecido nem à retomada do processo do caso Mediatrade, no qual é acusado de apropriação indébita, nem ao caso Mills, no qual responde por corrupção.

Enquanto isso, em Roma, a centro-direita trabalhava na aprovação parlamentar de uma lei que reduz o tempo de prescrição para réus primários, e que poderia enterrar os processos de Mills e Mediatrade em um mês.