Título: Ataques a negros e gays
Autor: Castro, Juliana; Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 30/03/2011, O País, p. 16

Bolsonaro vira alvo de processo de quebra de decoro por declarações racistas e homofóbicas na TV

Juliana Castro, Evandro Éboli e Isabel Braga

RIO e BRASÍLIA. A Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ) e 19 parlamentares pediram ontem abertura de processo na Câmara, por quebra de decoro parlamentar, contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ), que também será processado pela cantora Preta Gil. Os pedidos de cassação do mandato e a ação judicial foram uma reação às declarações de Bolsonaro no quadro "O povo quer saber", exibido anteontem à noite no programa CQC, da TV Bandeirantes, em que ele ataca negros e homossexuais.

A declaração mais polêmica do parlamentar foi dada na resposta à pergunta de Preta Gil: "Se seu filho se apaixonasse por uma negra, o que você faria?". O deputado respondeu: "Não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados. E não vivem em ambiente que, lamentavelmente, é o teu".

Em outro trecho, ao responder a perguntas de pessoas na rua, Bolsonaro disse que não participaria de um evento gay para não "promover maus costumes". E afirmou que nunca passou pela sua cabeça ter um filho homossexual. "Por ser um pai presente, não corro esse risco". O deputado afirmou ser contra cotas para negros e que se recusaria a voar numa aeronave pilotada por um "cotista" ou ser operado por um médico também nessa condição. Cotista é o estudante que ingressou na faculdade pelo critério de cotas.

O advogado de Preta Gil, Ricardo Brajterman, afirmou que entrará com uma ação criminal no Ministério Público por crime de intolerância racial e homofobia. Na esfera cível, entrará na Justiça com uma ação para reparação por danos morais. Também entrará com uma notificação junto à Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Brajterman disse que a cantora só viu o vídeo com as declarações de Bolsonaro na internet porque não acompanhou o programa:

- Ela está muito abalada, muito chocada e indignada. Em um país onde se prestigia todos os princípios da dignidade humana, um deputado se expressar dessa maneira é de chocar - afirmou Brajterman.

Ministro da Igualdade Racial no governo Lula, o deputado Edson Santos (PT-RJ) foi um dos que representaram contra Bolsonaro:

- O deputado Bolsonaro é recorrente nessa sua busca de agredir segmentos da sociedade, em especial negros e gays, seus preferidos. Mas agora passou do limite. Racismo é crime e não é condizente com a ética parlamentar. Eu me sinto agredido por essa agressão covarde. Ele que arque com as consequências - disse Santos.

Secretário-executivo da Secretaria de Igualdade Racial, Mário Theodoro também criticou o parlamentar:

- Acho lamentável. A expressão promiscuidade denota o grau de racismo que ainda persiste na sociedade. E trata-se de um representante do povo. O episódio mostra que temos muito o que avançar no combate ao racismo - disse Theodoro.

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), afirmou ser necessária uma provocação para que seja tomada alguma providência, mas condenou as declarações de Bolsonaro:

- Sou contra, no mérito. Não é o comportamento mais adequado.

- A imunidade parlamentar não protege crime de racismo - afirmou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Manoela D"ávila (PCdoB-RS).

Na mesma linha, o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, ao anunciar em nota que representaria contra Bolsonaro na Corregedoria da Câmara, afirmou que "as declarações (...) são inaceitavelmente ofensivas, pois tem um cunho racista e homofóbico, incompatível com as melhores tradições parlamentares. O Congresso não merece ter em suas fileiras parlamentares que manifestam ódio a negros e gays".

Bolsonaro passou o dia tentando justificar suas declarações. Disse que não entendeu a pergunta de Preta Gil e que achou que ela tinha perguntado de possível envolvimento homossexual de algum filho do parlamentar:

- Quando vi a cara de Preta Gil (no monitor do laptop), já tive má vontade. Comigo, não! Não cruzo com ela. É um direito meu. Como muita gente não gosta de mim. Aceito meu filho ter relacionamento com qualquer uma, menos com uma pessoa com o comportamento da Preta Gil. Quem é o pai dela? (Gilberto Gil). Aquele que dá bitoquinha em homem.

O deputado negou ser racista:

- Não sou. Tenho um montão de afrodescendentes trabalhando comigo no Rio - disse Bolsonaro, que pediu para ser ouvido no Conselho de Ética sobre a polêmica: - É que esse pessoal mais ativo aproveita um deslize e desce o cacete.

Nas redes sociais, Bolsonaro também recebeu uma saraivada de críticas. O Movimento Arco-Íris lançou no Facebook a campanha "Fora Bolsonaro", com mais 25 grupos ligados a minorias. O movimento também enviará um pedido de punição a Bolsonaro à Comissão de Ética da Câmara, informou o presidente do Arco-Íris, Julio Moreira.

Vanda Pinedo, coordenadora-geral da ONG Movimento Negro Unificado, ficou revoltada com o parlamentar:

- É um ataque brutal. A declaração dele representa o quanto ainda é racista a sociedade brasileira. Ele chamou as mulheres negras de promíscuas. O que é isso?

COLABOROU: Cassio Bruno