Título: E a verba é nossa...
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 02/04/2011, O País, p. 12

Tiririca contrata amigos humoristas de programa de TV para "aconselhá-lo"

BRASÍLIA. Pelo menos uma prática comum entre os parlamentares - a contratação nos estados de assessores, geralmente amigos ou correligionários políticos, sem o compromisso com horas trabalhadas - já foi adotada pelo deputado Tiririca (PR-SP), que se elegeu com o mote de que queria ir para a Câmara aprender o que faz um deputado. Ele nomeou, entre os 11 secretários parlamentares de seu gabinete, dois amigos humoristas que trabalham no programa semanal "A Praça é Nossa", do SBT.

A informação, publicada ontem no jornal "O Estado de S. Paulo", foi confirmada pela assessoria do deputado, que avisou também que Tiririca não pretende demití-los, porque "os dois agregam informações ao mandato parlamentar, o assessoram e o representam em São Paulo". A administração da Câmara sustentou que não há ilegalidade na contratação.

Os comediantes Américo Niccolini e Ivan Oliveira foram contratados pelo gabinete de Tiririca no dia 23 de fevereiro, com a função SP-28. De acordo com os boletins da Câmara dos Deputados, cada um deles recebe R$4.020 brutos por mês. Segundo a reportagem, o salário de cada um seria de R$8 mil. Procurados pelo GLOBO, eles não retornaram às ligações.

O deputado Tiririca é o responsável por atestar, junto à Câmara, por meio de ofício, a frequência dos dois ao trabalho. Ao contrário dos servidores concursados e os que ocupam cargos comissionados de natureza especial (CNEs), nem todos os secretários parlamentares assinam ponto. Os que trabalham nos estados são liberados da confirmação de presença.

Os dois humoristas moram em São Paulo e não têm um local físico de trabalho. Tiririca, de acordo com a assessoria, optou por não abrir um escritório político em São Paulo, prática também comum entre outros deputados, que muitas vezes transformam a própria casa em extensão de seu gabinete no estado.

A assessoria de Tiririca justificou a contratação dos amigos: "ele nomeou os dois assessores levando em conta o critério de conhecê-los pessoalmente, e também profissionalmente, e ainda pelo fato de serem dois comunicadores e desenvolverem trabalhos dentro da temática de atuação do deputado".

Segundo a Administração da Câmara, os funcionários do deputado nos estados são classificados como representantes políticos dele e a frequência ao trabalho é atestada pelo próprio parlamentar. Quando envia a contratação à Casa, o deputado já deve informar onde ele irá ficar. Para a Câmara, a palavra do deputado tem fé pública e a responsabilidade de atestar se seus funcionários estão trabalhando é dele. Se houver comprovação de desvios, é aberta investigação administrativa.

O presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo (PDT-BA), afirma que é importante o deputado Tiririca mostrar que os amigos humoristas contratados por ele realmente estão prestando serviço a seu gabinete. Araújo ressalvou que fazia as observações como colega deputado.

- Se estão ajudando no mandato, não se pode fazer nada. É mais difícil medir quando o trabalho é intelectual. Mas o deputado deveria esclarecer que tipo de trabalho parlamentar eles realizam, até porque mantém o trabalho como humoristas. Mas não dá para dizer, de antemão, que seja imoral - afirmou José Carlos Araújo.

O líder do PR, Lincoln Portela (MG), saiu em defesa de Tiririca:

- O fato de serem humoristas e terem atuado na campanha não os gabaritam nem desqualificam. Um deputado ruralista certamente terá alguém da área trabalhando com ele, por exemplo. E não ter escritório em São Paulo não quer dizer que não tenha um local para se encontrarem quando ele vai ao estado. Não vejo, a princípio, que isso fere regras regimentais morais.

Além de comediantes, Niccolini e Oliveira são amigos de Tiririca e criaram slogans de sua campanha eleitoral, como "Vote no Tiririca, pior do que está não fica". Ao "Estado de S. Paulo", Niccolini justificou sua contratação:

- A gente é bom para dar ideias. Ele (Tiririca) escolheu a gente porque ajudamos na campanha, só por isso. Porque acredita que podemos dar boas ideias - disse.

Deputado federal mais votado do Brasil, com cerca de 1,3 milhão de votos, Tiririca enfrentou problemas e teve que atestar que sabia ler e escrever antes de tomar posse.