Título: Guerra ioiô
Autor:
Fonte: O Globo, 31/03/2011, O Mundo, p. 31

Impasse militar entre os dois lados na Líbia reforça intenção da coalizão de armar rebeldes REBELDES PASSAM por Brega, após fugirem de Ras Lanuf, retomada pelas forças de Kadafi; no detalhe, o chanceler líbio, Moussa Koussa, que fugiu para Londres INSURGENTES CARREGAM lançador de míssil em Uqayla, a 20 km de Ras Lanuf: CIA investiga natureza do grupo TRÍPOLI e WASHINGTON Apesar de ter sofrido uma grande derrota no front político, com a renúncia do chanceler Moussa Koussa ? que fugiu para Londres, onde teria pedido asilo ? o regime de Muamar Kadafi conquistou importantes vitórias militares ontem, retomando cidades reconquistadas havia poucos dias pelos rebeldes, no que se assemelhava a um cabo de guerra interminável entre as duas partes. Enquanto os rebeldes sofriam um revés na tentativa de conquistar Sirta ? cidade de Kadafi ? e perdiam Bin Jawad, Brega e Ras Lanuf para as tropas do regime, a discussão sobre o fornecimento de armas ao movimento insurgente esquentava entre dirigentes dos países aliados. Diante do Parlamento, o premier britânico, David Cameron, afirmou que a Resolução 1973 aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU poderia contemplar o envio de armas ao Conselho Nacional Líbio, já que autoriza "todas as medidas necessárias para proteger os civis". A posição faz coro com declarações dadas na véspera pelo chanceler William Hague, pela secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, e pelo presidente Barack Obama, que disse considerar o envio de armamento aos insurgentes. ? Não descartamos o envio de armas, mas ainda não tomamos essa decisão ? ressalvou Cameron. A especulação de que os aliados estariam pensando seriamente em armar a oposição ficou ainda maior depois que a Reuters e o "New York Times" revelaram que Obama teria assinado uma diretiva confidencial autorizando agentes da CIA (a agência central de inteligência americana) a agir de forma clandestina em território líbio. Segundo funcionários do governo, a ordem presidencial foi assinada há duas ou três semanas. Agências de notícias informaram ainda que pequenos grupos de agentes já estariam na Líbia e teriam ajudado no resgate da tripulação de um caça americano que caiu no país no dia 21. As operações secretas teriam como principais metas colher informações de inteligência sobre as tropas de Kadafi, para otimizar os ataques aéreos das forças da coalizão, e contactar os rebeldes e auxiliá-los em suas estratégias de combate. As atividades cobertas de agentes americanos na Líbia convergem na questão sobre o eventual fornecimento de armas. Uma das principais críticas no Congresso a armar rebeldes diz respeito à falta de informações sobre suas identidades e intenções políticas, e os espiões da CIA teriam entre suas missões identificar a natureza desses grupos. A perda ontem de duas cidades petrolíferas estratégicas pelos rebeldes ? Ras Lanuf e Brega, que haviam sido conquistadas com a ajuda dos bombardeios de coalizão ? não só mostrou que as forças de Kadafi ainda estão operantes, como parece ter acelerado a discussão sobre o fornecimento de armas. Os insurgentes culpam seus fracos equipamentos por não conseguirem deter as tropas do ditador ? que, por sua vez, são barradas por bombardeios aliados, tornando a guerra um verdadeiro ioiô militar: os dois lados avançam e recuam constantemente. O Qatar, o país árabe mais ativo na coalizão, se pronunciou a favor de fornecer armas aos insurgentes, caso os ataques aéreos aliados não consigam frear o avanço das tropas de Kadafi. Depois de o chanceler francês, Alain Juppé, afirmar na véspera que estaria pronto a discutir o assunto com outros países, um diplomata disse ontem que a França era favorável a enviar melhor armamento aos rebeldes. Falando em condição de anonimato, o diplomata francês disse que seu país discutia o assunto com o governo de Obama para saber como pôr a medida em prática. Mas o envio de armas aos rebeldes pode esbarrar nas restrições russa e italiana à medida. Contrária à intervenção militar aliada na Líbia desde o início, a Rússia se mostrou a maior opositora ao projeto, afirmando que armar a oposição líbia iria além do mandato concedido pela ONU. No mesmo tom, o chanceler italiano, Franco Frattini ? um dos maiores defensores de uma saída de exílio para Kadafi ?, se opôs abertamente a armar os rebeldes. ? Não é possível armar os insurgentes sob a resolução existente. É algo que não gostaria de ver. Dependeria de quais países estariam de acordo ? argumentou Frattini. EUA temem infiltração da al-Qaeda na Líbia Além da resistência de alguns países, relatórios da inteligência dos EUA demonstram que uma das maiores preocupações em abastecer os insurgentes líbios é a possibilidade de que existam membros de grupos como a al-Qaeda e o Hezbollah infiltrados nas fileiras rebeldes. Além disso, a decisão envolveria os países numa guerra civil, num cenário que traz más lembranças da situação no Iraque. A ideia enfrenta oposição dentro do próprio governo americano. O chefe da Comissão de Inteligência da Câmara, Mike Rogers, disse que a História americana mostra que a ação seria um erro. ? Precisamos entender mais sobre os rebeldes antes de passar armas a eles. Mesmo que você ache que os conhece, não pode garantir que essas armas não irão posteriormente cair nas mãos erradas ? disse Rogers, citando a ajuda fornecida aos combatentes afegãos contra os soviéticos, nos anos 80, e lembrando que muitos deles acabaram se unindo ao Talibã. COLABOROU: Fernando Eichenberg, de Washington