Título: BC aumenta riscos no combate à inflação
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Fonte: O Globo, 31/03/2011, Opinião, p. 6

Já não parece haver dúvidas que o Banco Central, no governo Dilma Rousseff, procura cumprir a missão de defender o poder aquisitivo da moeda sem perder de vista o nível de atividade da economia. O banco aproxima-se, assim, em alguma medida, da visão do Ministério da Fazenda, quartel-general da ideologia "desenvolvimentista". Ou seja, o QG da busca obsessiva pelo crescimento do PIB, mesmo que o preço a pagar seja alguma inflação. O primeiro grande indício de um BC versão "light", parcimonioso no uso de sua eficiente arma, a política monetária (juros), apareceu na ata da última reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) - a que elevou a taxa básica de juros para 11,75% -, na forma de uma defesa de instrumentos de aperto creditício, para reduzir o aquecimento da demanda, em vez de maiores dosagens de juros.

Batizadas de "macroprudenciais" - a economia é um território livre para eufemismos -, as medidas de arrocho no crédito ao consumo acabam de ter sequência com o aumento do IOF para 6% sobre as operações de empréstimos no exterior de até 360 dias de prazo. Num mundo em fase de excesso de liquidez, dinheiro externo vinha sendo usado para compensar o enxugamento feito pelo BC no sistema financeiro, por meio do aumento do compulsório sobre depósitos bancários. E por isso o crédito continuou em alta.

A aposta do BC é, pela via do freio nos empréstimos ao consumo, compensar o acionamento menos intenso dos juros. A estratégia é reforçada no Relatório Trimestral de Inflação, divulgado ontem pelo banco, em que está exposta a política de uma busca "mais suave" das metas de inflação. Assim, o banco buscará atingir o centro da meta (4,5%) apenas no final do ano que vem, e já se contenta com uma taxa de 5,6% este ano, segundo o Relatório. Revoga-se, portanto, a ideia, inerente à política de metas de inflação, de que, ao primeiro sinal de inflação em alta consistente, elevam-se os juros para debelar o surto a curto prazo. No Brasil do governo Dilma, faz-se o adendo: contanto que não haja grandes impactos negativos no crescimento. Daí o prazo longo para a inflação voltar à faixa dos 4,5% - um nível elevado em comparação com o resto do mundo organizado.

O BC, portanto, cria uma nova zona de risco: sem contar mais com o câmbio para atenuar altas internas de preço como em passado recente, o banco, ao implicitamente estabelecer um "chão" para a inflação nos próximos meses, e a meta de 5,6% para 2011, induz formadores de preços a remarcar as tabelas em percentuais relativamente elevados, acima de 4,5%, o centro da meta agora relativizada. E com isso o BC pode criar um problema de enrijecimento da própria inflação. O quadro é potencialmente perigoso, pois a inflação anualizada aproxima-se dos 6,5%, o limite superior da meta. Até por efeito estatístico, ela deve retroceder no segundo semestre. Mas não se pode relaxar diante de uma economia com histórico de superinflação e onde existem mecanismos de indexação prontos para projetar automaticamente a inflação de hoje para o futuro.

O BC de Alexandre Tombini, já adjetivado no mercado de "dovish" - termo em inglês derivado de "pomba", o oposto de "falcão", que costuma qualificar BCs como o alemão de antes da união monetária europeia -, não deve retirar do radar a possibilidade de ter de mostrar as garras, se a vida real não confirmar o róseo cenário com que trabalha.