Título: Até onde esperar mudanças no Incra
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Fonte: O Globo, 31/03/2011, Opinião, p. 6

São animadoras as palavras do novo presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ao assumir o cargo, anteontem, Celso Lacerda disse que imprimirá ao órgão a eficiência da iniciativa privada. Literalmente: "É preciso qualificar a gestão do Incra. (...) Ou seja, gastar menos e fazer mais. Potencializar recursos", afirmou. É um discurso que, à primeira vista, combina com a promessa que seu superior, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, fez ao tomar posse, de privilegiar os aspectos técnicos ao preencher as superintendências do instituto.

O discurso de Lacerda, no entanto, precisa ser confrontado com ações que de fato retratem uma nova visão administrativa e política do órgão, situado numa área do governo federal refratária ao controle por dispositivos institucionais e democráticos. Nos oito anos da gestão Lula, o Incra revelou-se um dos mais aparelhados instrumentos do governo, autêntica capitania hereditária comandada pelas facções mais radicais do PT. Não à toa, principalmente por omissão de Brasília, e também por afinidade ideológica, desse domínio saíram preocupantes manifestações de intimidação ao poder constituído e à ordem democrática, protagonizadas pelo MST e satélites, entidades com indisfarçável DNA totalitário.

Por conta dessa relação, por vezes assumida, por vezes dissimulada com grupos incompatíveis com as regras da democracia, o país herdou, em quase uma década de leniência e, por decorrência, desmandos, uma série de denúncias de desvios de recursos públicos - inclusive para atividades ilegais do MST. Também permanece no contencioso do órgão a manutenção de áreas de tensão no campo, com invasões até de terras produtivas, de conotação política, que têm por objetivo emparedar a sociedade e seus anteparos institucionais. Igualmente em razão de suas ligações perigosas, o Incra mostrou-se incompetente mesmo em ações respaldadas pela legislação. Disso, são evidências mais visíveis os assentamentos feitos sem a devida assistência técnica - como na Amazônia, onde áreas de colonização são responsáveis por extensas faixas de desmatamento.

Por tudo isso, é fundamental que o Incra passe de fato a limpo seus métodos de gerência e de atuação no campo. E também porque é inaceitável que um órgão oficial, de um setor onde os conflitos sociais permanecem em perigosa turbulência, mantenha linha de atuação discrepante com a realidade. Os avanços na agricultura moderna reduziram os espaços para reforma agrária, e hoje os chamados latifúndios improdutivos são quase uma peça de ficção numa economia em que manter estoques de terras inaproveitadas significa acumular prejuízos.

Portanto, é de se pagar para ver até onde se realizará a profissão de fé do novo presidente do Incra. Lacerda é, no PT, do grupo Democracia Socialista (DS), mais à esquerda, assim como o próprio ministro Afonso Florence. Facções petistas já deram provas de desembaraço, durante as duas gestões de Lula, em ações para manter o atraso e as tensões na política agrária do governo. Espera-se que não seja assim também na administração de Dilma Rousseff.