Título: Haiti terá presidente-cantor estreante na política
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Fonte: O Globo, 05/04/2011, O Mundo, p. 27

PORTO PRÍNCIPE. O cantor Michel Martelly venceu o segundo turno das eleições presidenciais do Haiti por quase 68% dos votos, derrotando a ex-primeira-dama e professora universitária Mirlande Manigat, que obteve apenas 31%, segundo mostram os resultados preliminares anunciados ontem pela Comissão Eleitoral do país. O resultado representa uma reviravolta no cenário político haitiano, já que Martelly, de início, não havia nem se classificado para disputar o segundo turno, depois de um controverso primeiro turno realizado em novembro.

O novo presidente irá substituir René Préval, que havia conseguido uma prorrogação de seu mandato para não deixar um vácuo de poder devido ao atraso na realização do processo eleitoral. Apesar da informação divulgada ontem, o resultado final oficial da eleição só será conhecido em 16 de abril. Até lá, ele pode ser contestado na Justiça por simpatizantes de Manigat.

Teoricamente, seria difícil conseguir reverter a diferença entre os dois candidatos. Mas o próprio exemplo de Martelly, que conseguiu contestar os resultados do primeiro turno e eliminar o candidato governista Jude Célestin - então classificado em segundo - mostra que nada é definitivo no país até o anúncio do resultado oficial.

Aos 50 anos, Martelly nunca ocupou um cargo público. O que poderia ser visto como um problema em muitos países foi considerado uma vantagem no Haiti - nação mais pobre do continente - onde muitos eleitores se queixam da corrupção do governo. A oposição, no entanto, alega que o cantor é despreparado para assumir o país - que ainda sofre com os efeitos do terremoto devastador do ano passado, com centenas de milhares de pessoas ainda desabrigadas e um surto de cólera que já fez mais de quatro mil vítimas desde outubro.

O anúncio foi imediatamente celebrado em Porto Príncipe, onde uma multidão comemorou nas ruas o resultado.

- Hoje é um grande dia para mim - disse Jeanor Destine, de 22 anos, enquanto fogos de artifício iluminavam o céu da capital. - Acabamos com o antigo governo, e queremos inaugurar um novo. Passamos por tanta miséria. É por isso que estamos apoiando Martelly.

A campanha do cantor postou no Twitter: "Obrigado pela confiança. Vamos trabalhar com todos os haitianos. Juntos nós podemos".

Promessa de educação e falta de apoio no Parlamento

A campanha de Martelly ganhou força no segundo turno, quando sua inexperiência política parece ter conquistado boa parte dos haitianos. O cantor prometeu mudanças profundas no Haiti, afirmando que vai garantir educação pública e gratuita a todos, num país onde mais da metade das famílias não consegue pagar o ensino de seus filhos. O candidato prometeu, ainda, melhores condições econômicas e mais emprego.

Além de problemas como os desalojados, o cólera e as condições socioeconômicas dos haitianos, o novo presidente terá ainda de lidar com outros dois desafios: um Parlamento dominado pelo partido de René Préval, e a insatisfação geral no país em relação à lentidão com que os trabalhos de recuperação do Haiti têm sido conduzidos.

- Ele não tem nenhum apoio no Parlamento - adverte o professor Yves Colon, que ensina Jornalismo na Universidade de Miami. - As leis propostas podem ser bloqueadas. Os próximos cinco anos podem ser um impasse total entre a Presidência e o Parlamento.