Título: Novo presidente da Vale passa no 1º teste
Autor: Nogueira , Danielle
Fonte: O Globo, 06/04/2011, Economia, p. 22

RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA. A indicação de Murilo Pinto de Oliveira Ferreira, ex-diretor da Vale, para assumir a presidência da companhia agradou aos dois lados envolvidos na disputa da cadeira hoje ocupada por Roger Agnelli. De perfil técnico e com trânsito no governo, o executivo é visto com bons olhos por investidores e pelos acionistas privados da mineradora, dos quais se aproximou ao longo dos 11 anos que trabalhou na empresa. Também tem simpatia do governo, especialmente da presidente Dilma Rousseff, com quem teve contato direto quando ela era ministra de Minas e Energia.

Com Ferreira na presidência da Vale, há fortes indicações de que a empresa deve apostar na hidrelétrica de Belo Monte. Quando presidente da Aluvale, ex-subsidiária da Vale que abrigava ativos de alumínio, o executivo defendia a entrada na sociedade da usina. Segundo pessoas próximas a ele, o interesse pelo projeto se mantém, já que a Vale é grande consumidora de energia - responde por mais de 4% do consumo nacional. Com o possível ingresso em Belo Monte, a Vale solucionaria um dos problemas que o governo Dilma enfrenta hoje: encontrar um substituto para o Bertin no consórcio responsável pela usina.

Lista tríplice é mera formalidade

Um dos desafios será a pressão por investimentos em siderurgia, demanda do governo e um dos pontos de atrito com Agnelli desde a gestão Lula. Ferreira terá de demonstrar jogo de cintura, já que a Vale tem quatro siderúrgicas - em operação ou em construção - num momento em que há excesso de oferta de aço no mercado internacional.

Ferreira também terá a "missão de tirar a Vale dos holofotes da mídia". Uma das razões do desgaste de Agnelli com o governo era a percepção de que o executivo se considerava "uma estrela", "acima do bem e do mal", segundo um conselheiro da mineradora. O perfil mais reservado de Ferreira foi um dos pontos que pesaram na sua escolha. Divergências com Agnelli no passado e o fato do atual presidente da Inco, Tito Martins, ser próximo de Agnelli, também contribuíram para a decisão final, segundo fontes do Planalto. Martins era tido como favorito até então. Estava na disputava ainda José Carlos Martins, diretor de Marketing, Vendas e Estratégia.

Os três nomes constavam da lista tríplice elaborada pela consultoria americana CTPartners, encarregada de buscar o substituto de Agnelli. A lista foi submetida aos acionistas da Valepar, holding que controla a Vale, na noite se segunda-feira, quando foi anunciado o nome de Ferreira. O procedimento é, na verdade, uma formalidade prevista no estatuto da Vale. A homologação da contratação da CTPartners também foi feita na segunda-feira, mas a consultoria já havia entrado em contato com Ferreira na semana anterior.

Ferreira foi sondado há duas semanas por acionistas

Fora da bolsa de apostas até poucos dias atrás, Ferreira foi sondado pela primeira vez há cerca de duas semanas, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, aumentou a pressão sobre o Bradesco - maior sócio privado da Valepar - para tirar Agnelli da presidência da mineradora. Segundo pessoas próximas a Ferreira, em meados de fevereiro ele enviou carta a investidores e cotistas do fundo administrado pela empresa em que trabalhava desde que saíra da Vale, a Studio Investimentos, na qual sinalizava sua volta à vida executiva. Isso teria despertado a atenção da Valepar.

Ainda segundo pessoas próximas ao executivo, ele havia praticamente fechado sua ida para uma holding de negócios sediada em São Paulo, quando foi contatado informalmente por acionistas da Valepar. Acabou sendo apresentado como o candidato favorito de Dilma. No núcleo do governo, havia a certeza de que era preciso pôr no comando da Vale alguém de mercado que, ao mesmo tempo, não fosse um "estrangeiro" na companhia, explicou um interlocutor da presidente. O nome de Ferreira foi considerado perfeito.

Coube ao presidente da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) e presidente do Conselho de Administração da Vale, Ricardo Flores, telefonar para Ferreira e avisá-lo que havia sido escolhido por unanimidade, na noite de segunda-feira. Pelo acordo de acionistas, são necessários 75% dos votos para a aprovação do novo presidente. Governo tem indiretamente, via BNDESpar e fundos de pensão patrocinados por estatais, 60,5% dos votos. Daí a pressão sobre o Bradesco (21,21%). Os outros sócios são Mitsui (18,24%) e Elétron (Opportunity, com 0,03%). A indicação terá de ser referendada pelo Conselho da Vale, em reunião a ser realizada amanhã, mais uma formalidade no processo de sucessão da empresa.

Ontem, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou convite para que Mantega preste esclarecimentos sobre as articulações do governo para a troca de comando na Vale. O ministro foi convidado há 15 dias para audiência semelhante na Câmara.