Título: Em vez de caixas-pretas, corpos
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 05/04/2011, Rio, p. 12

Descoberta inédita nos destroços do voo 447 aumenta expectativa para solução do mistério

Quase dois anos depois do acidente do voo 447 da Air France, que matou 228 pessoas ao cair no oceano Atlântico no caminho do Rio para Paris, em 31 de maio de 2009, autoridades francesas anunciaram ontem que foram localizados corpos dentro da fuselagem do Airbus A330, a 3.900 metros de profundidade. O Escritório de Investigação e Analises (BEA, na sigla em francês) - órgão que investiga acidentes aéreos - informou ontem, em Paris, que, em respeito às famílias, não seriam divulgadas informações sobre o estado ou a posição dos corpos.

- As famílias ainda não foram notificadas. Não vamos falar sobre os corpos - disse a ministra dos Transportes, Natalhie Kosciusco-Morizet.

De acordo com as autoridades, é impossível dizer, no momento, o número exato de corpos. Segundo especialistas, temperaturas baixas a quatro mil metros de profundidade explicariam a conservação dos cadáveres.

Fotos dos destroços, feitas por submarinos e exibidas ontem à imprensa, mostram dois trens de pouso, duas turbinas e uma das asas bem preservados. O lugar exato onde está o avião também foi mantido em segredo, para, segundo as autoridades francesas, preservar o local. Sabe-se apenas que fica a cerca de 80 quilômetros do ponto onde foram encontrados os primeiros destroços, no último sábado. O trabalho de resgate deve começar em três semanas ou um mês. Considerada delicada, a operação requer submarinos automáticos com câmeras de alta definição. Três empresas - duas francesas e uma americana - que têm esse equipamento estão participando de uma concorrência lançada ontem para a realização do serviço. O resultado deve ser divulgado até quinta-feira.

Jean Paul Troadec, diretor do BEA, disse que a prioridade é a busca das caixas-pretas, mas a ministra garantiu que os corpos serão resgatados para identificação.

Resgate deve custar até 6 milhões de euros

Por volta da meia-noite de sábado (19h no Brasil), um submarino automático Remus, operado a partir de um navio americano que fazia buscas na região, detectou possíveis sinais de destroços. Uma investigação mais detalhada permitiu que fossem feitas as primeiras imagens de partes do avião. Até ontem foram tiradas cerca de 13 mil fotos, que estão sendo analisadas pelo BEA.

A descoberta dos destroços num espaço relativamente concentrado - 600 por 200 metros -- levantou a esperança entre os investigadores de encontrar as caixas-pretas, onde ficam registradas as conversas dos pilotos e os parâmetros do voo.

- Se não foram destruídas pelo choque, há chances de que ainda possam ser exploradas - disse Alain Bouillard, chefe das investigações, que vai comandar o resgate dos destroços.

De acordo com Bouillard, a concentração dos restos também confirma a tese segundo a qual a aeronave caiu no mar em linha de voo, ou seja, na horizontal. A operação de resgate será paga pelo governo francês, a um custo estimado entre cinco e seis milhões de euros, segundo o jornal "Le Figaro". Até agora, as buscas custaram 21,6 milhões de euros.

Inicialmente, especulou-se que uma explosão teria causado o acidente, acontecido durante uma tempestade. Mas a tese foi abandonada por não ter havido despressurização da cabine, explicou o chefe da investigação. Outra tese que ganhou força foi a de falhas em sondas que medem a velocidade do avião, mas o BEA acha que somente esse problema não explicaria a catástrofe.

Especialista em análise de acidentes e controles de emergência da Coppe-UFRJ, Moacyr Duarte acredita que apenas com a descoberta das caixas-pretas da aeronave será possível definir as causas do acidente:

- A ação de agentes externos, como a água salgada, correntes marítimas e outros fatores, deve ter causado danos que vão impedir um diagnóstico a partir da análise da fuselagem do avião. Com isso, é fundamental que sejam recuperadas as caixas-pretas - acredita.

Para o professor da Coppe, os valores investidos pela Air France e pela Airbus na busca das caixas-pretas não é tão grande quanto o custo de não conseguir uma resposta para o acidente:

- É importante ressaltar vários aspectos envolvidos nesse acidente, além do ponto de vista humano, afinal de contas, 228 pessoas morreram. O piloto era experiente, o avião praticamente novo e, muito importante, a frota da Air France é composta unicamente por aeronaves fabricadas pela Airbus. Por isso é tão importante definir o que derrubou o avião - disse Duarte.

O anúncio da localização dos destroços e a existência de corpos na fuselagem foi um choque para Robert Soulas, vice-presidente da Associação das Famílias de Vítimas, que viu as imagens do avião na apresentação dos investigadores à imprensa. Ele considerou a notícia excelente, pois recompensa dois anos de luta das famílias para saber a verdade sobre o acidente. Mas alerta para o risco de um novo trauma para muitos parentes que vão se confrontar com corpos.

- O problema dos corpos é espinhoso. Haverá problemas de identificação. Não sabemos em que estados eles estão. E há o risco de suscitar um debate entre famílias que vão querer deixar os corpos no fundo do Atlântico e as que vão querer recuperá-los - disse Soulas, que perdeu a filha e o genro no acidente.

Passageiros de 32 nacionalidades - sendo 72 franceses e 59 brasileiros - morreram no acidente do voo 447. O BEA anunciou que, até o final da semana, uma pessoa será indicada para fazer a comunicação com todas as famílias.

COLABOROU Sergio Ramalho