Título: Novo fogo amigo irrita líbios
Autor: Cozart, Alvaro de
Fonte: O Globo, 08/04/2011, O Mundo, p. 27
Bombardeio mata rebeldes e civis em Brega. EUA admitem impasse na guerra BENGHAZI, Líbia Aclamadas dias atrás, as forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte se viram ontem sob fortes críticas dos rebeldes líbios, que acusaram seus aviões de acertarem as tropas contrárias a Muamar Kadafi nos arredores da cidade de Brega. O número de mortos variava de cinco a 13, com mais de 20 feridos, no que seria o segundo caso de fogo amigo em menos de uma semana. O ataque atingiu um comboio rebelde e tanques, além de um ônibus levando passageiros para Brega. Segundo o Governo Nacional de Transição, 13 pessoas teriam morrido. No entanto, um hospital de Ajdabiya, que recebeu as vítimas, contou cinco mortos e 22 feridos. ¿ Abaixo a Otan ¿ gritou um rebelde, enquanto carros deixavam o front, em Brega, mostrando a revolta com o ataque. Numa cama de hospital em Ajdabiya, o combatente Younes Jumaa contou que os carros estavam perto de Brega quando foram atingidos. Em geral, os veículos rebeldes ¿ muitas vezes picapes ¿ têm a palavra Otan pintada no teto para não serem confundidos. Mas os rebeldes também usam veículos, blindados e até tanques apreendidos das forças de Kadafi. O chanceler francês Alain Juppé já alertara ser cada vez mais difícil distinguir quem é combatente e quem é civil em terra. ¿ Não estamos questionando as intenções da Otan, mas gostaríamos de receber algumas respostas sobre o que aconteceu ¿ disse Abdel Fattah Younes, comandante das forças rebeldes, em Benghazi. Em Bruxelas, a Otan informou que vai investigar o caso. Na semana passada, num outro episódio, 13 pessoas morreram no ataque a um comboio rebelde. Por outro lado, a organização rejeitou as acusações de que aviões britânicos teriam acertado o maior campo de petróleo do país, afirmando que o ataque partiu de tropas do governo: ¿ Culpar a Otan mostra o quanto estão desesperados ¿ declarou o general canadense Charles Bouchard, que comanda a operação. General admite chance de enviar tropas Em Washington, o general Carter Ham, comandante das tropas dos EUA no Norte da África e que liderou os primeiros ataques antes de transferir o controle para a Otan, disse que as forças de Kadafi estão tornando os bombardeios aéreos mais difíceis, ao se posicionarem em áreas civis. No Senado, Ham admitiu que os EUA poderiam considerar o envio de soldados a território líbio para ajudar os rebeldes, mas lembrou que isso dificultaria o apoio árabe à missão. Para ele, é baixa a probabilidade de os rebeldes abrirem caminho até Trípoli e substituir Kadafi. Ele se mostrou ainda contrário a armar os opositores até que se saiba quem eles são. Perguntado se descrevia a situação como um impasse ou caminhando para um impasse, respondeu: ¿ Eu concordaria com isso no presente. Em Ancara, o premier Recep Tayyip Erdogan disse estar em contato com os dois lados em busca de "um mapa do caminho", uma solução para o conflito. Paralelamente, civis fugiam aos milhares de Ajdabiya, no leste, diante de rumores de que as tropas de Kadafi atacariam a cidade. No oeste, Misurata estava sob ataque. As dificuldades dos rebeldes podem ser explicadas ao ver suas tropas, em grande parte formadas por voluntários, sem treinamento e que partem para o ataque com armas antigas ou tomadas dos soldados de Kadafi ¿ as Forças para uma Líbia Livre mais parecem um levante popular do que uma tropa organizada. Eles praticamente não têm equipamentos de comunicação e não há um comando visível. Muitos sequer sabem o que fazer para se proteger durante ataques. E embora digam formar dez mil homens, um número bem inferior aparece nos combates. Suas fileiras têm três tipos de membros: as forças especiais, com ex-soldados e policiais; uma grande coluna de células independentes de combatentes; e uma força civil de defesa, que atua em bloqueios. Em meio à guerra, a organização Repórteres sem Fronteiras condenou ontem a expulsão de 26 jornalistas estrangeiros do país. Eles foram à Líbia convidados pelo governo, mas ontem tiveram que deixar o país sob a alegação de que seus vistos haviam expirado. A RSF também manifestou sua preocupação em relação a quatro jornalistas desaparecidos desde segunda-feira. A guerra afetou também o petróleo. Segundo o governo líbio, a produção caiu 80% com o conflito, passando de 1,6 milhão de barris ao dia para 250 mil ou 300 mil. Os rebeldes, por sua vez, despacharam na quarta-feira seu primeiro carregamento de petróleo e que deve ter como destino a China, no que pode abrir caminho para negócios com a Europa. A oposição pode ganhar até US$100 milhões com a carga, mas especialistas destacam a falta de transparência no acordo e as dificuldades de manter uma exportação regular em meio ao conflito. LEGENDA DA FOTO: REBELDES tiram o corpo de um combatente morto no bombardeio a Brega (em cima). Num hospital de Ajdabiya, médicos tentam reanimar um paramédico atingido.