Título: Brasil rejeita crítica dos EUA
Autor: Eichenberg, Fernando ; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 09/04/2011, O País, p. 3

O governo brasileiro reagiu duramente, ontem, ao relatório anual sobre direitos humanos do Departamento de Estado americano, que apontou abuso, tortura, impunidade e violência policial no Brasil. Usando tom acima do usual para desqualificar o documento, o Itamaraty divulgou uma nota em que ataca os métodos usados na pesquisa e menciona, indiretamente, o campo de detenção da Baía de Guantánamo, ao Sul de Cuba, ao afirmar que os Estados Unidos não olham para si mesmos ao criticarem outros países.

"O governo brasileiro não se pronuncia sobre o conteúdo de relatórios elaborados unilateralmente por países, com base em legislações e critérios domésticos, pelos quais tais países se atribuem posição de avaliadores da situação dos direitos humanos no mundo. Tais avaliações não incluem a situação em seus próprios territórios e outras áreas sujeitas de facto à sua jurisdição", diz um dos trechos do comunicado do Itamaraty.

Segundo um alto funcionário do Itamaraty, a ideia foi mandar um "recado incisivo" aos Estados Unidos: a despeito da reaproximação entre os dois países, protagonizada há cerca de um mês pelo encontro, em Brasília, dos presidentes Dilma Rousseff e Barack Obama, o Brasil não concorda com esse tipo de avaliação, "feita sempre em terreno alheio". Internamente, a avaliação da diplomacia brasileira é que as referências aos países da América Latina pelos EUA em seu relatório anual têm conotações políticas.

- Não queremos deixar dúvidas sobre nosso apego ao sistema multilateral de direitos humanos. Não adianta pegar este e aquele país, e excluir a si mesmo - explicou um experiente diplomata.

Na nota, o Ministério das Relações Exteriores aponta o Conselho de Direitos Humanos da ONU como o fórum adequado para o debate. Lembra que todos os países são monitorados no mecanismo de Revisão Periódica Universal. "O Brasil reitera seu forte comprometimento com os sistemas internacionais de direitos humanos, dos quais participa de maneira transparente e construtiva".

Em SP, morte de 392 civis por policiais

No documento, o governo dos EUA denuncia oficialmente violações de direitos humanos no Brasil. Entre as críticas listadas estão abuso de violência por parte das forças de segurança, falhas no julgamento de policiais corruptos e na proteção de testemunhas, tortura de detentos, condições "deploráveis" de prisões, discriminação contra mulheres, tráfico de pessoas, trabalho escravo e infantil e maus tratos contra crianças.

Em seu relatório anual sobre violações de direitos humanos no mundo, divulgado ontem em Washington, o Departamento de Estado dedica 43 páginas ao caso brasileiro. Para as autoridades americanas, os violadores de direitos humanos no Brasil "gozam com frequência de impunidade", com uma manifesta "relutância e ineficiência em processar funcionários do governo por corrupção, discriminação contra mulheres e violência contra crianças, incluindo o abuso sexual".

O documento reconhece um avanço no combate à violência e ao crime em favelas do Rio, por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), mas enfatiza - sustentado em relatos da Anistia Internacional - que o policiamento local "continua a depender de métodos repressivos". O relatório condena ainda "o uso excessivo" da força na invasão conjunta do Exército e da polícia no Complexo do Alemão. Em 2010, a polícia do Rio matou "mais de 500 pessoas em atos de resistência, frequentemente sem suficiente ou independente investigação", acusa o documento.

No caso de São Paulo, o governo americano, baseado em dados da Secretaria de Segurança Pública estadual, alerta para a morte de 392 civis por parte de policiais; para denúncias de envolvimento policial em tráfico de drogas; e para 12 chacinas - ocorridas entre janeiro e outubro do ano passado - com 46 mortes.

Com base em dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ), também são apontadas ameaças à liberdade de imprensa no país, citando "o crescente número de decisões judiciais proibindo a imprensa de relatar certas atividades". O relatório relaciona casos de violações de direitos humanos em diferentes estados - além de Rio e São Paulo, cita Pará, Pernambuco, Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo.

Na entrevista para a apresentação do relatório, Michael Posner, secretário-adjunto para Democracia, Direitos Humanos e Trabalho do Departamento do Estado dos EUA, saudou a preocupação com o respeito aos direitos humanos manifestada pela presidente Dilma Rousseff nos primeiros dias de seu governo, mas acrescentou que "em nível local ainda há muitas questões a serem resolvidas".