Título: Realismo na viagem de Dilma à China
Autor:
Fonte: O Globo, 09/04/2011, Opinião, p. 6
No dia 25 de agosto de 1961, o vice-presidente João Goulart estava em visita à China quando o presidente Jânio Quadros renunciou. Seguiu-se uma longa crise política que desembocou na Revolução de 1964. Segunda-feira, quase 50 anos depois, chega à China a presidente Dilma Rousseff, que lutou contra a ditadura militar instaurada em 64. O Brasil é hoje uma democracia consolidada, e Dilma pode viajar descansada em relação a sustos institucionais no país.
Por outro lado, ela precisará de muita habilidade se quiser tratar do tema dos direitos humanos - um dos esboços de sua política externa e responsável por uma sensível mudança de rumo em relação à de seu mentor e predecessor, o ex-presidente Lula. A China, mais conhecida pelo crescimento selvagem de sua economia capitalista, é uma ditadura do Partido Comunista capaz de atropelar com bulldozers os direitos humanos. Tanto que censura a internet, e, em seguida às rebeliões na Tunísia e no Egito, que levaram à queda de ditadores, a palavra rebelião "sumiu" das ferramentas de busca chinesas.
Dilma chega pouco mais de uma semana depois da prisão de um dos mais importantes dissidentes, Ai Weiwei, um dos autores do projeto do famoso estádio olímpico de Pequim, o Ninho do Pássaro. Ele é um crítico afiado do Partido Comunista da China e está sendo acusado, genericamente, de "crimes econômicos". A presidente poderá ficar tentada a juntar sua voz à dos que reclamam a libertação de Ai Weiwei. Em todo caso, se preferir silenciar, seu silêncio será melhor que a atitude de Lula em Cuba no ano passado, quando morreu um dissidente preso e o ex-presidente culpou a greve de fome que ele fazia.
Caiu no colo de Dilma outro aspecto delicado da relação bilateral, diretamente herdado do governo Lula. Em 2004, durante a visita a Brasília do presidente Hu Jintao, Lula prometeu-lhe, no espírito da política externa companheira que era sua marca registrada, que o Brasil reconheceria a China como economia de mercado. O flagrante exagero - o país foi o único a levantar essa tese - pareceu destinado a criar uma relação especial com Pequim, com base na tosca visão da existência de um choque entre "ricos" e "pobres". Realisticamente, o tema não consta da agenda da presidente em terras chinesas.
O que conta mais é que a China e o Brasil são a segunda e a sétima economias do mundo, integram o BRIC (países emergentes) e têm muitos interesses mútuos, mas outras tantas divergências também. A China se tornou, desde 2009, a principal parceira comercial do Brasil, superando os EUA. As relações comerciais entre os dois países cresceram 47,5% entre 2008 e 2010, segundo a Câmara de Comércio Brasil-China, com um superávit de US$5 bilhões a nosso favor. Isto se dá porque Pequim tem imenso apetite por matérias-primas. Mas os produtos manufaturados, de maior valor agregado, perderam espaço em nossas exportações para lá e outros mercados. Em grande parte porque o governo chinês mantém a moeda subvalorizada, o que encarece os produtos brasileiros. Nesse ponto, sim, é esperado que Dilma faça coro aos demais líderes mundiais e reclame mais realismo na política cambial chinesa.