Título: Ainda falta a solução
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 30/07/2009, Política, p. 4

Os senadores acham que vai ficar por isso mesmo? Eles têm estrada suficiente para saber que é completamente impossível. Não adianta enfiar a cabeça sob o travesseiro e esperar passar o pesadelo

A reação do PMDB às representações do PSDB contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), coloca mais lenha na fogueira da crise, mas não servirá para aliviar os problemas políticos do comandante da Casa. Nesta altura, estratégias de intimidação têm efeito relativo, porque as coisas já foram longe demais. Não há como os tucanos dizerem que vão recuar porque o líder, Arthur Virgílio (AM), está sob ameaça. Não seria defensável. Nem o próprio senador amazonense teria condições de operar o recuo, pelo risco da completa desmoralização. Para ele, o mais adequado será ir à guerra total.

O cenário então caminha para radicalizar. Há um punhado de representações contra Sarney, mas Renan Calheiros (PMDB-AL) também está no alvo. Não foi só ¿ nem principalmente ¿ sob Sarney que aconteceram atos secretos. De Garibaldi Alves (PMDB-RN) pode-se até aceitar, com alguma boa vontade, que não conhecia os subterrâneos da sua interinidade. O mesmo não se aplica a Renan. Se a cabeça de Sarney rolar ensanguentada para a bacia, será a senha para colocarem Renan, um ex-presidente em plena atividade e pleno poder, na fila da degola.

Sarney, Renan... Qual será o alvo seguinte? Eis uma variável fora de controle nesta confusão: ninguém sabe exatamente onde ela pode ou vai terminar. Quando Renan esteve na berlinda, dois anos atrás, ele enfrentou o processo basicamente sozinho, também porque as acusações tinham foco na sua vida pessoal. Matou no peito. Na época, Sarney simplesmente desapareceu do plenário. Mas, por diversas razões, seria difícil para o ex-presidente da República travar solitariamente agora o mesmo combate. E o assunto hoje não é pessoal, é político-administrativo, envolve a estrutura do Senado.

Escrevi aqui tempos atrás que um combustível da crise era a falta de um ¿Sarney do Sarney¿. Algum senador com estatura política para reunir os pares e liderar a discussão sobre quem, afinal, deverá pagar a conta do furdunço. Porque, como também se afirmou aqui, alguém vai ter que absorver a dolorosa. Ou os senadores acham que vai ficar por isso mesmo? Eles têm estrada suficiente para saber que é completamente impossível. Não adianta enfiar a cabeça sob o travesseiro e esperar passar o pesadelo.

Outra complicação é o Conselho de Ética. O bloco de Sarney tem número para arquivar o que quiser, mas não reúne as condições políticas ideais para fazer assim, a seco. O presidente do conselho, por exemplo, é acusado de colocar um funcionário fantasma pendurado no próprio órgão, ainda que a nomeação tenha acontecido antes de Paulo Duque (PMDB-RJ) assumir o comando do colegiado. Então, se o PMDB vai representar contra o líder do PSDB por ter mantido um fantasma, é bem possível que o próprio Duque seja alvo de uma representação semelhante Por isonomia.

Isso enfraquece a possibilidade de Duque simplesmente jogar ao arquivo o que for inconveniente ao PMDB do Senado. Até porque ele é segundo-suplente do hoje governador do Rio, Sérgio Cabral. O primeiro suplente está alojado no secretariado fluminense. Mais sombras de confusão. Dois anos e meio após deixar o Senado, Cabral é outro candidato a absorver parte dessa conta. E com uma reeleição para disputar ano que vem. Isso para não falar de Luiz Inácio Lula da Silva, que parece cada vez mais incomodado com o pessoal da bagunça sacando dia sim outro também na gorda popularidade presidencial.

A solução lógica seria Sarney abrir mão da Presidência e negociar um processo suave no Conselho de Ética, sem maiores constrangimentos pessoais. Com uma absolvição garantida em plenário. Nesta altura, o próprio governo ¿ que tem maioria no Senado ¿ já começa a cultivar a possibilidade, com o cuidado de não dar sinais de estar sacrificando o aliado antes da hora. Mas todo político sabe: quando começa a conversa sobre a sucessão, é porque o quadro mudou.