Título: Governo à beira da paralisia
Autor: Eichenberg, Fernando
Fonte: O Globo, 09/04/2011, O Mundo, p. 32
Até bem perto do fim do prazo para aprovar o Orçamento federal para o ano fiscal de 2011 e evitar a paralisação administrativa do governo - meia-noite de ontem - a Casa Branca e os líderes republicanos não haviam chegado a um consenso. O bloqueio do Orçamento provocará a paralisação de cerca de 800 mil servidores públicos federais - enquanto um milhão de trabalhadores considerados essenciais permanecerão em atividade - e atingirá centenas de milhares de prestadores de serviços ao governo. Forças militares, incluindo soldados em serviço no Iraque e no Afeganistão, terão seus soldos atrasados. O pagamento da restituição do Imposto de Renda também deverá ser retardado, e empréstimos serão interrompidos. Emissões de novos passaportes serão suspensas, e museus cerrarão suas portas. Estima-se em US$32 milhões diários o prejuízo causado pela fechamento dos parques nacionais, e economistas preveem uma queda temporária de até um ponto percentual no crescimento do PIB, dependendo do tempo da paralisação.
O impasse entre democratas e republicanos na aprovação do Orçamento do governo federal reflete o atual clima de polarização e radicalização de discurso entre as duas maiores forças políticas do país, exacerbado pela aproximação das eleições presidenciais de 2012. A politização do debate excedeu as divergências contábeis. Ontem, os líderes democratas garantiram que um acordo de valor numérico havia sido alcançado às 4h da madrugada de sexta-feira, numa redução de US$38 bilhões - o governo almejava US$33 bilhões, contra US$61 bilhões no lado republicano. Mais tarde, no entanto, o senador Harry Reid, líder da maioria do governo no Senado, recebeu um email da oposição anunciando um recuo nas negociações.
Aborto seria ponto de divergência
Segundo o governo, o acordo empacou na exigência republicana de efetuar cortes nos fundos destinados à organização Planned Parenthood, de planejamento familiar e auxílio médico para mulheres. Cerca de 3% do orçamento da instituição são reservados para apoio em caso de aborto - os recursos do governo federal não estão incluídos nesse tipo de assistência (proibido por lei desde 1977).
A Casa Branca acusa o Partido Republicano de usar a discussão do Orçamento para promover sua agenda política e social, e de se submeter aos ditames dos parlamentares e militantes do movimento ultraconservador Tea Party. O deputado republicano John Boehner, presidente da Câmara, contestou a versão do governo, e assegurou que o único obstáculo para se alcançar um acerto foi o tamanho do corte, e não a sua natureza.
O caso do Orçamento levou o presidente Barack Obama a se impor como o "mediador em chefe" do governo. O papel tem sido desempenhado com maior vigor desde que os democratas perderam a maioria parlamentar na Câmara e passaram a necessitar de uma nova forma de entendimento com a oposição. Nos últimos dias, o presidente investiu boa parte de seu tempo em ligações telefônicas e encontros na Casa Branca com os líderes congressistas, e suspendeu viagens oficiais para localidades no país.
Bloqueio pode favorecer presidente
O cientista político Mark Langevin, da Universidade de Maryland, acredita que a alteração no cenário político é uma oportunidade para o presidente demonstrar suas capacidades.
- Obama está entrando no campo forte dele. Sua natureza política é a de mediador. Com a polarização partidária no Congresso, ele pode exercer sua liderança e intermediar as duas forças políticas. O problema é que a produtividade do Congresso cairá muito nos próximos dois anos, justamente quando a crise econômica requer uma atuação mais forte e definida do Legislativo - avalia.
Para o cacique republicano Karl Rove, um dos principais assessores do governo George W. Bush, a confrontação provocada pela paralisação forçada do governo poderá prejudicar o seu partido e favorecer a imagem de Obama, como ocorreu com o presidente Bill Clinton no impedimento orçamentário de 1995. "As paralisações ajudaram a melhorar o prestígio político de Clinton, impulsando seus índices de aprovação e as percepções sobre ele como um líder forte", escreveu em seu memorando semanal.
Na pesquisa de opinião Wall Street Journal/NBC sobre quem seria considerado o maior responsável pela paralisação administrativa, os entrevistados apontaram os republicanos em primeiro lugar, com 37%, e democratas e Obama empatados a seguir, com 20% para cada.