Título: Costa do Marfim: ONU acha 100 corpos
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Fonte: O Globo, 09/04/2011, O Mundo, p. 33

ABIDJÃ. Enquanto ainda restam dúvidas sobre a extensão do massacre perpetrado em Duékoué durante uma ofensiva das forças leais ao presidente eleito Alassane Ouattara, na semana passada, investigadores da ONU descobriram ontem mais de cem vítimas no oeste da Costa do Marfim, parte delas lançados em poços ou queimadas vivas.

Não está claro quem cometeu o massacre, mas segundo a ONU, a maior parte das vítimas pertencia à etnia Guere, grupo que apoia o presidente derrotado nas urnas, Laurent Gbagbo, e as mortes teriam ocorrido quando as forças de Ouattara entraram nas cidades enquanto avançavam em direção a Abidjã. Há ainda relatos de que milícias da vizinha Libéria também estariam envolvidas no crime.

Os 115 corpos foram encontrados em três cidades do oeste: sendo 60 em Guiglo, 40 em Bloléquin, e outros 15 em Duékoué. Os mortos se somam aos outros 800 encontrados pela Cruz Vermelha em Duékoué na semana passada, quando estourou uma onda de violência sectária depois que a cidade foi tomada pelas forças do presidente eleito, manchando o governo de Ouattara, que mal começara. De acordo com a ONU, os últimos episódios de violência ¿parecem ao menos parcialmente motivados por questões étnicas¿, o que aumenta a preocupação de que a Costa do Marfim mergulhe novamente numa guerra civil como a que se estendeu de 2002 a 2003, opondo a região sul, predominantemente católica, e o norte islâmico.

O diretor da Cruz Vermelha para a Costa do Marfim, Louis Falcy, disse que sua organização teme que pilhagens, banho de sangue, represálias e violência sexual se espalhem por todo o país. Já a ONU considerou preocupante a situação das cidades onde os corpos foram encontrados.

¿ Bloléquin está sendo descrita por equipes de direitos humanos como uma cidade morta. A população toda fugiu, e há sinais claros de pilhagem ¿ disse o porta-voz da Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, Rupert Colville.

Forças de Gbagbo retomam partes de Abidjã

A ONU também qualifica de alarmante a situação da capital econômica, Abidjã, onde se trava a chamada batalha final pelo poder entre forças de Ouattara e Gbagbo. Segundo a organização, há ¿incontáveis cadáveres espalhados pelas ruas da cidade, e bairros inteiros sem água, eletricidade e alimentos¿.

A tensão voltou a aumentar ontem na região da casa onde Gbagbo está entrincheirado com cerca de 200 homens e sua família, desde a semana passada. Depois de a embaixada da França ¿ localizada ao lado da residência do presidente derrotado ¿ ser atacada por dois morteiros e um foguete, helicópteros franceses revidaram, abrindo fogo contra os arredores da casa de Gbagbo.

Ainda assim, as forças de Gbagbo conseguiram reganhar força e retomar parte de Abidjã. Em Paris, Toussaint Alain, porta-voz do político entrincheirado, denunciou a ação francesa.

¿ Se houve ataques à embaixada, não foram as forças de Gbagbo. A França está procurando um pretexto para voltar a bombardear o palácio presidencial. Acusamos (Nicolas) Sarkozy de organizar os distúrbios na Costa do Marfim, minando toda tentativa de diálogo.

Alain desconsiderou ainda o pronunciamento feito por Alassane Ouattara na véspera, no qual pela primeira vez o presidente eleito se dirigiu aos marfinenses como dirigente do país. Ouattara pediu uma reconciliação da população e o retorno à normalidade do país. Para o porta-voz de Gbagbo, o discurso não passou de ¿palavras de um impostor¿.

¿ É tudo bobagem. Gbagbo não vai deixar o poder, ele não está num bunker. Ele está lá, bem instalado em sua cadeira presidencial, e não se moverá.

Embaixadora da Índia também é resgatada

Depois do resgate cinematográfico do embaixador japonês e sete de seus colaboradores por helicópteros franceses, ontem foi a vez da embaixadora da Índia ser retirada de sua casa por capacetes azuis da ONU. Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Índia, ela corria ¿um grave risco¿ ao permanecer no local, que fica na mesma região do palácio presidencial. A ONU recebeu pedidos de resgate em outras 22 embaixadas, e afirmou que pretende atendê-los.