Título: De obra abandonada a merenda mal estocada
Autor: Ribeiro , Efrém
Fonte: O Globo, 11/04/2011, O País, p. 4

TERESINA e FORTALEZA. As inspeções aleatórias dos órgãos de fiscalização encontraram, no Piauí e no Ceará, situações que variam da contratação irregular de obras até condições insalubres para distribuição da merenda. No Piauí, de março a outubro de 2010, auditorias da Controladoria Geral da União (CGU) apontaram irregularidades em pelo menos quatro cidades. No Ceará, a última fiscalização, divulgada no início deste mês, apurou indícios de fraude numa obra de R$700 mil.

No Ceará, que deve somar, em 2011, R$3,7 bilhões vindos do Fundeb, a CGU tem flagrado ilegalidades. Na última fiscalização, divulgada no início deste mês, foi constatado que a construção de uma escola pública estava totalmente abandonada em Pacujá, interior cearense. A obra recebeu R$700 mil do governo federal.

Em fevereiro deste ano, a prefeitura de Ipu, a 257 quilômetros de Fortaleza, pagou com verba do Fundeb a construção de um auditório, uma cantina e um depósito na Secretaria de Educação. O aparente verniz de legalidade, por ser uma obra ligada ao órgão da área, esconde duas irregularidades: apesar de algumas obras estarem contempladas em gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino, o que pode consumir até 40% do Fundeb, elas precisam estar diretamente ligadas à aprendizagem. Mas o que também chamou a atenção foi a pressa: 93,1% do total da obra foram pagos antes de ela ter sido iniciada.

Em outra operação, feita ano passado também em Ipu, viu-se que a prefeitura gastou R$58,6 mil com a "confecção de camisas para projetos educacionais" da Secretaria de Educação. Recursos do Fundeb não podem pagar roupas, nem mesmo farda escolar.

- Isso é improbidade, não tenha dúvidas. O gestor deverá ser citado por improbidade - disse o presidente do Conselho Estadual do Fundeb, Geraldo Magela de Maria, afirmando já ter sabido de fiscalizações no país que encontraram até obra de arte e mobília da sala de diretoras compradas com verbas do fundo.

O secretário de Educação do município, Flávio Alves, o terceiro a ocupar o cargo desde o início desta gestão, não soube responder qual a finalidade de tantas camisetas. Sobre o auditório, disse que a secretaria precisa do equipamento. Mesmo alegando não ter tido tempo de se informar sobre como foi aplicado o dinheiro do Fundeb, o secretário crê não haver desvios.

Em Lagoa do São Francisco, no Piauí, uma inspeção da CGU em 2010 na prefeitura constatou a contratação, sem licitação, de empresa para reforma de escolas e bibliotecas, no valor de R$292.420. Além disso, a empresa permaneceu fechada na semana da fiscalização; o local funcionaria como estúdio para ensaio de banda musical e para guarda de equipamentos de som.

Em Flores do Piauí, os auditores apuraram que a prefeitura fez pagamentos inferiores aos contratados e contabilizados na locação de transporte escolar em 2008, resultando em despesas sem comprovação no montante de R$22.632. Já em Paes Landim, a prefeitura deixou de comprovar gastos de R$53,7 mil em merenda escolar.

"Quando tem sardinha, não tem gás"

A merenda também foi alvo de irregularidades em Campinas do Piauí. De cinco escolas da amostra, quatro não tinham condições de armazenamento ou preparo do alimento. Na escola Santos Dumont, por exemplo, não havia espaço para cozinha; por isso, os alimentos eram guardados e preparados na casa de uma merendeira - onde não havia, porém, água encanada. A escola Adão Ferreira tinha não só a merenda preparada na casa de uma professora, como as próprias atividades do colégio estariam funcionando lá.

Em Pau D"Arco do Piauí, ônibus escolares da escola Alméssegas, a 68 quilômetros de Teresina, estão parados por falta de freios. Também falta merenda.

- Quando não tem merenda, a gente entra às 8h e sai às 9h para merendar em casa, e não é preciso voltar mais. Tem semana em que isso acontece três, quatro dias. Não se aprende nada - diz o aluno Ernani Costa, de 10 anos.

- Quando tem sardinha, salsicha, arroz, não tem gás; quando chega o gás, os alimentos já estão com prazo de validade vencido - afirma a professora Francisca Veras da Rocha, há nove anos no colégio.

A merenda que falta está em uma pequena sala da tesouraria da sede da prefeitura de Pau D"Arco, misturada a material de limpeza, e num depósito alugado no centro da cidade, onde os alimentos ficam no chão.

Na manhã da última sexta-feira, em outra escola, a Virgulino Sérgio, havia merenda, mas não aulas. As crianças comiam nas mesas dos professores, e o vigilante comia da mesma merenda, que deveria ser destinada exclusivamente aos estudantes. No depósito de merenda escolar, os alimentos dividiam o espaço com material de limpeza e computadores que estão sendo destruídos por cupim.