Título: Vigilância atenta
Autor:
Fonte: O Globo, 11/04/2011, Opinião, p. 6

Para frustração dos milhões que avalizaram o vitorioso projeto da Lei da Ficha Limpa, e dos que a apoiam, o voto que faltava no Supremo Tribunal Federal (STF) para superar o empate na decisão sobre a partir de quando a legislação produziria efeitos - se 2010 ou 2012 - foi o do recém-empossado ministro Luiz Fux pela postergação da efetiva entrada em vigor da lei. Não deixou de ser uma demonstração de independência do magistrado, distante dos "clamores das ruas", como precisa estar todo juiz. Mas foi criado um problema: abriu-se um largo prazo para que os ficha-sujas - os já enquadrados e os potencialmente enquadráveis na lei - se mobilizem para realizar uma grande blitz jurídica contra a lei. Ministros do Supremo admitem o risco.

É crucial que a mobilização que houve na sociedade para apoiar o projeto de origem popular se volte para zelar pela intocabilidade da lei.

Não faltam argumentos jurídicos a favor dela - não bastasse a imperiosa necessidade de uma revitalização ética da vida pública. Numa visão otimista, pode-se imaginar que uma lei capaz de obter o voto de cinco dos onze ministros do STF para entrar em vigor imediatamente receberá, no mínimo, o mesmo apoio quando e se tiver questionada novamente a constitucionalidade de algum outro de seus artigos.

A Ficha Limpa foi tema de exaustivos debates entre magistrados ao tramitar pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao chegar ao Supremo. Os seis ministros do STF vitoriosos no julgamento sobre o prazo de validade da lei consideraram como decisivo o dispositivo da Constituição com base no qual não se permitem alterações na legislação eleitoral a menos de um ano do pleito. Foi o caso da Ficha Limpa.

Já os votos derrotados optaram por considerar mais relevante outro artigo da Carta, em que se estabelecem a "moralidade" e a "vida pregressa" do requerente ao registro para disputar eleições como condições essenciais para o aspirante a qualquer cargo eletivo.

Também foi entendido por este grupo, assim como pela maioria dos juízes do TSE - alguns do próprio Supremo -, que os pré-requisitos criados pela nova lei não poderiam ser considerados uma alteração em si da legislação, mas apenas o estabelecimento de exigências para o exercício de mandato popular. Assim, o princípio da anualidade, ou anterioridade, instituído para evitar mudanças em cima da hora nas regras eleitorais que possam favorecer ou desfavorecer candidatos não se aplicaria, pois os critérios estabelecidos pela nova lei atingiriam todos da mesma forma.

Pode parecer uma discussão bizantina, mas não é, porque desses debates depende o futuro de uma legislação histórica, por criar, pela primeira vez, filtros mais efetivos para evitar o uso de cargos públicos por toda sorte de delinquentes - de colarinho branco e não.

Prevê-se que um dos alvos de advogados de fichas-sujas será a retroatividade da pena. No caso, a não concessão de registro pela Justiça Eleitoral. Trata-se de uma inconstitucionalidade, podem alegar. Mas, como já se viu nos embates no TSE e no STF, a Ficha Limpa não estabelece penas, apenas fixa critérios para candidatos nada diferentes dos existentes em concursos públicos, por exemplo. Para ser porteiro do Congresso, é preciso ter ficha limpa, inclusive sem condenação em primeira instância - até aceita pela nova lei.

As discussões sobre a Ficha Limpa ajudaram a consolidar sólidos argumentos a favor da lei. Mas, se faltar atenção na sociedade sobre ela, o futuro poderá mesmo ser incerto.