Título: Em texto, matador tenta se eximir da culpa
Autor: Ramalho, Sérgio ; Damasceno, Natanael
Fonte: O Globo, 11/04/2011, Rio, p. 10

Wellington, que sofrera humilhações na escola, elogiava outros assassinos em massa

Numa segunda carta encontrada pela polícia na casa de Wellington Oliveira, o assassino tenta fugir da responsabilidade pelo massacre que cometeu. Em um texto de quatro páginas, divulgado ontem pelo ¿Fantástico¿, ele afirma que não é o responsável pelas as mortes, ¿embora meus dedos sejam os responsáveis por puxar o gatilho.¿ Mais adiante escreve: ¿Cada vez que virem alguém se aproveitando da bondade ou da inocência de um ser, lembrem-se de que esse tipo de pessoa foi responsável por todas essas mortes, inclusive a minha.¿

Ele tenta usar o bullying, a perseguição que diz ter sofrido na escola, para justificar o crime: ¿Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por um grupo e todos os que estavam por perto debochavam, se divertiam com as humilhações que eu sofria, sem se importar com meus sentimentos.¿

Na carta, Wellington chama de irmãos outras vitimas de perseguição. Ele cita o menino australiano que, há poucas semanas, revidou uma agressão na escola. Ele também lembra de outros dois assassinos em massa: Chu Seng-Hui, que em 2007 matou 32 pessoas na Universidade Virgínia Tech, nos Estados Unidos; e o brasileiro Edmar Aparecido Freitas, que, em 2003, feriu seis pessoas numa escola no interior de São Paulo.

Segundo alunos que estudaram com Wellington, a perseguição ao assassino na escola, não se limitava a apelidos e piadas de mau gosto. Um colega de turma, que que cursou o final do ensino fundamental com Wellington na Escola Municipal Ramiz Galvão, também em Realengo, e não quis se identificar, contou ao GLOBO dois casos em que o estudante foi humilhado:

¿ Uma vez, pelo menos três garotos de outra turma enfiaram a cabeça dele no vaso sanitário. Lembro que o vimos molhado, mas ele foi embora. De outra vez, vi jogarem ele de cabeça para baixo, dentro de uma lata de lixo, e tamparem. Ele teve que balançar a lata, derrubá-la, e só depois conseguiu sair, no meio de todo mundo. Ele não revidou, nem respondeu a ninguém.

O ex-colega de Wellington classifica de cruel a perseguição ao aluno, feita principalmente por meninas, mas também ponderou que ele não era a única vítima dos agressores.

Bruno Linhares, outro ex-aluno que estudou com Wellington, diz que um dos fatores que o deixou mais surpreso com o crime foi justamente o fato de nunca ter visto reação do jovem diante das brincadeiras e agressões:

¿ Ele era muito tranquilo, até quando o zoavam. Nunca vi ele revidar nenhuma brincadeira nem dar nenhuma resposta. Pelo contrário, ele até ria de nervoso. Qualquer pessoa que olhasse para ele via que tinha um problema mental.

Influência do ¿bullying¿ divide especialistas

A influência que o bullying pode causar em quem sofre o problema divide a opinião de especialistas. Para Paulo Storani, sociólogo e antropólogo da Universidade Cândido Mendes, a prática pode gerar consequências sérias e deve ser monitorada.

¿ Não podemos afirmar que, necessariamente, vá influenciar, mas pode influenciar. A pessoa pode se tornar mais difícil ou surtar totalmente, como esse rapaz. Mas não é uma regra.

O pesquisador ressalta ainda que as crianças vítimas desse tipo de violência devem ser atendidas.

¿ As pessoas devem refletir a todo momento sobre isso. Se o bullying que ele sofreu tivesse tido atenção, poderíamos ter evitado que se chegasse a esse ponto. E, por mais que não possamos identificar um motivo, podemos ficar mais atentos e mais responsáveis com nossos jovens. A classe média hoje é muito permissiva com seus filhos, os jovens cometem atos violentos contra seus colegas como se fosse natural.

Já Gláucio Soares, sociólogo do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, acredita que o fato de ter sofrido violência na escola não teve influência sobre a atitude do assassino:

¿ O número de crianças que sofrem de bullying todos os anos está em vários milhões, enquanto o número de crimes em massa como o de Realengo dificilmente chega a 20 por ano no mundo inteiro. Isso nos leva à conclusão de que o fato de ter sofrido bullying não é essencial.

O sociólogo afirma ainda que os assassinatos em massa, como o cometido por Wellington, só podem ser detidos através de uma política de prevenção ao uso de armas de fogo.