Título: Matador deve ter sofrido rejeição recente
Autor: Ramalho, Sérgio ; Damasceno, Natanael
Fonte: O Globo, 11/04/2011, Rio, p. 10

Pesquisador americano diz que ataque tanto tempo após o `bullying¿ não é comum

Os dez anos transcorridos entre os episódios de bullying sofridos por Wellington de Oliveira no colégio Tasso da Silveira e a chacina feita por ele na escola dificultam a compreensão da motivação do assassino. Segundo o professor Mark Leary, diretor de Psicologia e Neurociência da Universidade de Duke (EUA), o massacre em Realengo pode ser um caso de vingança simbólica, propiciado por algum episódio mais recente de rejeição.

O que leva alguns indivíduos a ¿estourar¿ e cometer esse tipo de crime?

MARK LEARY: Esse ponto de ¿estouro¿ é talvez a parte menos compreendida do processo. Parece claro que o ostracismo, a ¿zoação¿ e a rejeição romântica propiciam impulsos agressivos. Mas porque somente algumas pessoas ¿estalam¿ a ponto de matar outras é algo que ainda não entendemos. É possível que exista menos inibição, na hora do impulso agressivo, entre pessoas com instabilidade emocional, distúrbios psicológicos, familiaridade com armas ou fascínio com assuntos relacionados à morte. A maioria das pessoas consegue se controlar.

Nos casos americanos, os atiradores eram alunos e tendiam a alvejar pessoas ligadas a seus problemas. O que muda no caso de Realengo?

LEARY: O padrão é basicamente o mesmo, tanto quando o atirador é um aluno ou ex-aluno. O ataque é contra pessoas associadas com a rejeição sofrida, tanto diretamente quanto simbolicamente. Os ataques ocorrem com frequência na escola porque é onde os atores da rejeição real ou imaginada podem ser encontrados em grande número. O incomum é que um bom período de tempo já se passou desde a rejeição pelos alunos no colégio. Eu presumo que ele foi rejeitado por outras pessoas mais recentemente. Isso torna interessante o fato de ele ter retornado à cena das rejeições mais antigas, em vez de buscar aqueles que o rejeitaram recentemente.

Na carta encontrada com ele, o atirador de Realengo não explicou seus motivos. Faz sentido manter a motivação em segredo?

LEARY: O fracasso em se explicar pode indicar que a pessoa tinha pouca capacidade de autorreflexão. Ele poderia estar batalhando contra uma vontade incontrolável de machucar as pessoas, mas não conseguia entender o porquê.

Qual é a diferença entre um ataque no qual o atirador não tem a intenção de se matar em outro onde o suicídio era planejado?

LEARY: Talvez se resuma a ter a coragem de realmente se matar. Nós presumimos que os assassinatos são o objetivo primário, e que o suicídio é secundário. Mas imagino que, em alguns casos, a pessoa que enfrenta o ostracismo possa decidir primeiro se matar, por considerar que não vale mais a pena viver. E depois disso é que decida se vingar das pessoas que o machucaram. Dessa forma, as ações se tornam mais ¿fáceis¿ porque ele sabe que vai se matar depois. Isso ajuda a explicar porque tantos atiradores eram muito deprimidos.

Há muita especulação sobre o maior número de vítimas ser meninas. Os atiradores escolhem suas vítimas? Mesmo sendo desconhecidas, é possível ter ocorrido uma ¿seleção¿?

LEARY: Na maioria dos estudos de caso, os atiradores alvejaram pessoas ou tipos específicos, embora matem outros no processo. Mesmo quando as vítimas são desconhecidas, imagino que o atirador pode alvejar categorias de pessoas que costumavam isolá-lo. Talvez ele estivesse particularmente perturbado pela rejeição de mulheres. É possível, mas trata-se de uma especulação.

O perfil social do atirador no Orkut tinha ¿zero amigos¿ e demonstrava um interesse no tema da morte. O vídeo interno de segurança do colégio o mostra muito calmo e hábil na recarga do revólver. São aspectos que o aproximam dos casos americanos. De que forma isto está ligado à agressividade?

LEARY: Encontramos o interesse na morte em pelo menos quatro casos que pesquisamos. E, como outros atiradores, este claramente tinha problemas psicológicos e sociais. O comportamento calmo não é algo fora do usual em casos de suicídio e homicídio premeditado. O indivíduo fica tão focado nos detalhes de sua ¿missão¿ que parece parar de pensar nas questões maiores, o futuro, ou até o motivo pelo qual ele está fazendo isso. É como se o pensamento normal brecasse e uma estranha calma tomasse seu lugar.