Título: Voluntarismo na política econômica
Autor:
Fonte: O Globo, 12/04/2011, Opinião, p. 6

A nova política de combate à inflação, esboçada em documentos do Banco Central e em uma ou outra entrevista de autoridades, tem uma lógica sólida quando analisada de maneira superficial. De fato, trocar, em alguma proporção ainda desconhecida, a política monetária (juros) por apertos creditícios, agora apelidados de "medidas macroprudenciais", tem vantagens de origem fiscal.

Como cada ponto percentual de elevação da taxa básica de juros (Selic) equivale ao aumento de R$10 bilhões anuais na conta de juros da dívida pública, se for possível conter o atual surto inflacionário com aumentos de dosagens de IOF sobre o crédito e ampliação de prazos de financiamentos, o governo evitará um maior agravamento da situação fiscal. E não desacelerará muito a economia. A aposta, porém, em desaquecer a demanda por um arrocho "macroprudencial" no crédito tem riscos. O maior deles é não cortar o fôlego de uma inflação que se aproxima do limite superior da meta (6,5%) e ameaça até mesmo chegar aos 7% em algum ponto do segundo semestre. Com isso, acionados os mecanismos de indexação que persistem no país, os índices de preço poderão ficar em faixas perigosamente próximas dos dois dígitos. Não bastassem os gatilhos de indexação armados em contratos de aluguéis e prestação de serviços públicos, por exemplo, foi criado um específico para o salário mínimo, mola propulsora de altas pressões inflacionárias já apontada para o ano que vem, quando o mínimo será reajustado em quase 14%.

Enquanto o BC afina sua atuação pelo discurso "desenvolvimentista" do Ministério da Fazenda, e passa a trabalhar para trazer a inflação ao centro da meta (4,5%) apenas no final de 2012, as altas de preço se propagam. Antes, na visão oficial, tudo se devia a pressões externas, transmitidas pelas commodities. Mas logo se viu que os serviços também começaram a encarecer, por ser esta inflação muito estimulada pelos gastos públicos desregrados feitos sob medida para as eleições de 2010, com o álibi da necessidade de se compensar os efeitos da crise mundial. O índice anualizado do setor de serviços subiu 8,5%, sendo que 68,2% dos itens que o compõem ficaram mais caros. Ou seja, é uma alta quase generalizada, impossível de ser explicada por oscilações no mercado internacional de produtos primários.

Enquanto evita usar como deveria o remédio mais indicado para o problema - os juros -, o governo ainda ajuda a aquecer a demanda ao injetar mais R$55 bilhões no BNDES, a serem usados em linhas de financiamento subsidiado. Argumento: é crucial investir na infraestrutura e no aumento da capacidade produtiva. Sim, mas é preciso atenção com a inflação. Esses financiamentos, antes de ampliarem a estrutura do país, injetam mais dinheiro no mercado de consumo.

Faz lembrar, bem registraram em artigo no GLOBO os economistas Armínio Fraga e Pedro Cavalcanti Ferreira, os tempos do regime militar e do "Brasil Grande". Era decisão de Estado investir. Portanto, assim foi feito, com enormes transferências de renda para poucos grupos privados, e um desfecho trágico: a aceleração definitiva da inflação e a abertura de rombos na contabilidade pública só dimensionados duas décadas depois, com a estabilização econômica. Aquela mesma visão voluntarista da economia, em que tudo se resolvia por decisões políticas tomadas no Planalto, começa a reaparecer.