Título: Iranianos insistem em tecnologia brasileira
Autor: Casado, José
Fonte: O Globo, 10/04/2011, O País, p. 12

Estados Unidos bloquearam negócios com empresas de São Paulo e Santa Catarina

A primavera vista do aeroporto de Houston tem céu de azul pleno, canteiros de narcisos e prédios espelhados à distância. Naquele maio de 2007, Nelson Galgoul se sentia confortável.

- Perderam a chance de me prender - disse com ironia para a mulher, à saída do guichê da Imigração. Em seguida, embarcou para Nova Orleans. Na chegada, encontrou uma comitiva de agentes do FBI à saída do avião. Foi preso.

Ele sempre soube dos riscos, contou em sua confissão ao juiz Lance M. Africk, da Louisiana, em 2008. As provas documentais eram fartas. Africk, conhecido no tribunal federal pela severidade, relevou parte da defesa que sutilmente sugeria uma história de fé, na qual um descendente judeu, filho de missionário da igreja Batista, experimentava uma convivência com muçulmanos xiitas. O juiz, ao contrário, viu no caso um dos sete pecados capitais, a ganância. E acrescentou multa de US$202 mil (R$364 mil) à sentença.

- Ser preso não foi coincidência, fazia parte do Plano de Deus - acredita Galgoul, para quem a vida terrena é um permanente teste divino e a lógica da engenharia é um instrumento racional adequado à análise da Bíblia. - Mas eu realmente me irritei quando vi o juiz, cego de ódio, dizer que a motivação era ganância. Como, se perdi bem mais de US$400 mil nesses negócios?

Um dos problemas do vendedor era a clientela, na qual o grupo Khatan al-Anbiya se destacava. Trata-se de um dos braços empresariais da Guarda Revolucionária Islâmica. Esteio da ditadura teocrática, a Guarda obteve autonomia e status ministerial depois da guerra Irã-Iraque (1980-1988) - conflito sem vencedores, encerrado com 1,5 milhão de mortos. Com os cofres exauridos, o aiatolá Ali Khamenei decretou o autofinanciamento como alternativa para a manutenção da máquina militar.

Khatam al-Albiya agora é um dos maiores grupos iranianos, com 95% das ações sob controle da Guarda. Tem 138 subsidiárias, segundo a Fundação Rand (EUA), entre estaleiros, fábricas de aviões, armas e laboratórios de biotecnologia. Foi proscrito pela ONU, EUA e União Europeia por seu envolvimento no programa nuclear.

Até 2007, Galgoul repassou clandestinamente tecnologia da EDI/Suporte e treinou pessoal de pelo menos duas subsidiárias do Khatam: Sadra Group e Iran Shipbuilding and Offshores Industries Complex Co.( Isoico). Sadra é especializada na construção de plataformas, e a Isoico é construtora de navios. Juntas, detêm 58% das encomendas navais do país.

Da Tijuca, cartas para os amigos em Teerã

O embargo internacional extenua a economia e asfixia sua capacidade de renovação do parque industrial civil e militar. Por isso, o empenho do Irã nas compras ocultas de tecnologia.

Documentos do governo americano, divulgados pelo site Wikileaks, registram esforços de mais de 350 empresas e organizações iranianas na procura por fontes de tecnologia aplicável a mísseis convencionais e nucleares nos últimos quatro anos.

O Brasil é alvo. Meses atrás, a Industrial Development and Renovation Organization of Iran (Idro) mobilizou intermediários na Alemanha com ofertas à Máquinas Mello, de São Paulo, e à trading Export SC, de Santa Catarina. A Embaixada dos EUA em Brasília mobilizou o Itamaraty e o Banco Central para bloquear as transações. A Petrobras já desistiu de explorações no Irã, depois de investir no país US$120 milhões.

Da Tijuca, Galgoul escreve para amigos em Teerã. Mês passado pediu ao juiz Africk uma redução de pena, que vai até 2012. O analista de cálculo continua à procura do ponto de equilíbrio entre ciência e religião. Da convivência com xiitas, guarda uma certeza:

- O Corão, livro sagrado dos muçulmanos, é bom para guiar a vida, mas não é um bom livro para se morrer por ele. (José Casado)