Título: Reali Júnior, a voz brasileira em Paris
Autor:
Fonte: O Globo, 10/04/2011, Rio, p. 26

REALI JÚNIOR no lançamento do livro ¿Às margens do Sena¿, no qual estão as histórias de suas cinco décadas de jornalismo

O JORNALISTA conferindo as informações na imprensa francesa, ao lado, na primeira foto; e entrevistando o então presidente da França, Jacques Chirac, em foto publicada em sua biografia

Germano Oliveira

SÃO PAULO. Silêncio neste momento às margens do Sena, junto à Maison de la Radio, onde os termômetros marcam oito graus. Desde a manhã de ontem, os termômetros da Maison de la Radio congelaram, pararam. Ficaram tristes com a morte do jornalista Elpídio Reali Júnior, de 70 anos, ou simplesmente Reali Júnior. Seu coração parou de bater ontem por volta das 9h em São Paulo, que registrava 16 graus. Em Paris, já eram 14h e fazia 21 graus. As duas cidades choraram a perda de um dos maiores jornalistas brasileiros.

Reali se imortalizou com seus despachos diários feitos de Paris para a Rádio Jovem Pan, que, nos últimos 38 anos, começavam com o bordão: ¿Neste momento, às margens do (Rio) Sena, junto à Maison de la Radio, os termômetros marcam...¿ E dava a temperatura local, para logo em seguida relatar as principais notícias da Europa. No dia seguinte, as notícias de Reali também eram estampadas nas páginas do jornal ¿O Estado de S. Paulo¿, do qual era correspondente em Paris. O maior de todos dos tempos.

Reali começou a carreira de jornalista aos 16 anos, na Rádio Jovem Pan de São Paulo. Sem nenhuma experiência e ainda menino, procurou a emissora, aconselhado pelo radialista Casimiro Pinto. Fez um teste como locutor e passou. Depois virou repórter. O radialista, aliás, tem dois grandes méritos na vida: iniciou Reali Júnior na profissão e também ¿inventou¿ o nacionalmente famoso sanduíche ¿bauru¿. Casimiro era de Bauru, no interior de São Paulo, onde Reali Júnior morou na infância.

Em 1957, Reali se especializou como repórter de esportes. Ganhou de cara um apelido, ¿Repórter canarinho¿, devido à pouca idade e ao cabelo louro. O locutor Sílvio Luiz o chamava de ¿Canário¿, afinal Reali Júnior já não era mais aquele menino do final da década de 50.

O garoto se transformou em um dos maiores repórteres brasileiros, como lembra o também jornalista Ricardo Kotscho, que prestou uma homenagem ao amigo em seu blog ¿No Balaio de Kotscho¿ em sua edição de ontem, escrevendo um artigo: ¿Reali Jr, o repórter que virou doutor¿.

Kotscho se referia à homenagem que Reali recebeu há dois anos na FMU da Liberdade, em São Paulo, com o recebimento do título de doutor honoris causa da universidade, concedido quando o jornalista já estava com câncer e bastante debilitado.

Em mais de 50 anos de carreira premiada e das mais corretas, Reali nunca deixou a Jovem Pan, mas trabalhou também para outros veículos de comunicação no país, como a TV Bandeirantes, O GLOBO, TV Globo, TV Record e ESPN, além do ¿Estadão¿, do qual foi correspondente consagrado em Paris desde a década de 70.

Seu apartamento em Paris, na rua Ranelag, era uma espécie de QG para outros jornalistas brasileiros que iam à Europa e, durante a ditadura, transformou-se num ponto de apoio para os exilados pelo regime militar. Reali e Amelinha, sua mulher ¿ que ele conhecera quando tinha 14 anos e ela 13 ¿, sempre confortavam os brasileiros desterrados.

E foi com um pé sempre no Brasil que o jornalista se tornou uma referência nacional em Paris. Por sua casa, além de jornalistas que fugiam da ditadura, passaram presidentes, embaixadores, governadores e parlamentares brasileiros. Lá se reuniam, com frequência, inúmeros exilados. Foi nessa época que o jornalista consolidou amizades e estabeleceu pontes novas com Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Lula, João Goulart, Giocondo Dias e outros personagens da política brasileira.

Como correspondente da Jovem Pan e do ¿Estadão¿, Reali cobriu de Paris os fatos mais importantes nas últimas três décadas, construindo uma carreira de grande prestígio internacional. Reali acompanhou a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1973; a queda do avião da Varig em Paris, em 1973; a morte do general Franco, na Espanha, em 1975; a guerra Irã-Iraque (1980-1988); a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a morte de Lady Di, em 1997; entre outras.

Cobriu guerras, golpes e revoluções. Entrevistou reis e presidentes, inclusive três da França: Valéry Giscard d¿Estaing, François Mitterrand e Jacques Chirac.

A história do correspondente Reali Júnior é uma história de amor à vida e ao jornalismo. Em ¿Às margens do Sena¿, livro com 320 páginas lançado em 2007, Gianni Carta conta a trajetória deste que é um dos maiores mestres do jornalismo brasileiro e o mais importante correspondente do Brasil no exterior de todos os tempos. Em 2006, Reali concedeu a Carta mais de cem horas de depoimentos. Durante um ano, os dois trataram de esmiuçar a memória e os arquivos do jornalista para trazer a público o relato de uma trajetória extraordinária.

Reali nunca dissociou o jornalismo da política. Foi para Paris porque começou a se sentir isolado quando seus amigos passaram a ser presos pela ditadura militar iniciada em 1964. Certa vez, Reali Júnior. deu um soco num colega que havia feito para os militares uma lista de ¿jornalistas antirrevolucionários¿.

Em 1970, dois anos antes de se mudar para Paris, Reali Júnior ganhou o Prêmio Governador do Estado como melhor repórter de rádio daquele ano. Ao agradecer o prêmio, no teatro Record lotado, ele disse: ¿Ofereço este prêmio aos colegas presos que não puderam concorrer comigo¿. Reali Júnior deixou o Brasil como correspondente da Jovem Pan num exílio voluntário com Amélia e as quatro filhas, Luciana, Adriana, Cristina e Mariana.

Quando soube que estava com câncer no fígado, há três anos, Reali resolveu se aposentar e voltar a São Paulo com Amélia para se tratar. As filhas, porém, continuaram na capital francesa. O jornalista chegou a fazer transplante de fígado no Hospital Alemão Osvaldo Cruz, onde passou a se tratar nos últimos anos, mas não resistiu à doença.

Reali Júnior acabou morrendo na manhã de ontem, em sua casa, em São Paulo, após uma parada cardiorrespiratória em função do câncer. Seu corpo começou a ser velado ontem às 19h na Funeral Home, uma empresa especializada na rua São Carlos do Pinhal, perto da Avenida Paulista, onde fica a sede da Rádio Jovem Pan. Ele deverá ser cremado hoje, no Cemitério da Vila Alpina, em horário a ser definido, pois as filhas, que moram na França, estão a caminho do Brasil.

Em nota, a presidente Dilma Rousseff declarou que ¿a imprensa brasileira perdeu um de seus nomes mais emblemáticos com a morte de Elpído Reali Jr. Seus anos como correspondente de veículos de comunicação brasileiros em Paris foram marcados por grandes reportagens. Mais do que um repórter talentoso, o país perde um ilustre brasileiro. A seus parentes, amigos e admiradores envio meu sentimento de pesar e meu abraço fraternal¿.