Título: Gabrielli adverte: A Petrobras não pode ser a vilã da inflação
Autor: Oliveira, Germano
Fonte: O Globo, 10/04/2011, Economia, p. 28

Presidente da estatal não vê grande impacto em caso de reajuste da gasolina

SÃO PAULO. O presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, desmentiu que esteja em rota de colisão com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, por conta dos preços dos combustíveis. Gabrielli reafirmou que um aumento nos combustíveis só será necessário se os preços internacionais do petróleo se estabilizarem no patamar de US$122 por barril. Mas ele disse que, caso permaneçam oscilando, ou até caiam, a medida não precisa ser tomada. Gabrielli destacou que um dos fatores que pressionam por um aumento é a escassez de álcool, o que encareceu o produto e provocou alta de 19% na demanda de gasolina. Mas acredita que, agora, com o início da colheita da cana-de-açúcar, a pressão diminuirá.

- Eu não disse que havia decisão de reajustar o preço dos combustíveis. E o ministro não me desautorizou. Ele só disse que não havia decisão de reajustar. E não há mesmo. Disse, e repito, que, se os preços do petróleo se estabilizarem na alta, o reajuste será necessário, pois estaremos defasados. Não reajustamos o preço da gasolina desde maio de 2009, quando o reduzimos em 4,5%. Até porque, se não reajustarmos a gasolina internamente, com o aumento da cotação do petróleo no exterior, a Shell, que está no Brasil e compra da gente, passará a comprar uma quantidade grande da Petrobras para exportar, ganhando dinheiro às nossas custas - afirmou Gabrielli, em entrevista exclusiva ao GLOBO durante um voo entre Rio e São Paulo na noite de quinta-feira.

Gabrielli disse não poder estabelecer os percentuais de um eventual reajuste - em caso de necessidade de fazê-lo - porque a composição do preço da gasolina no Brasil é complexa:

- O preço de um litro de gasolina, hoje, é R$1, mas ela chega ao consumidor por R$2,80 ou até R$3. Chega a esse valor porque temos o ICMS, a CIDE, o próprio preço do álcool (25% da gasolina tem álcool anidro), a margem de lucro do revendedor etc. O preço da gasolina pode ser reajustado em função do aumento do petróleo sem repasse ao consumidor. Aí, sim, é decisão de governo e cabe ao ministro Mantega. Mas em nenhum momento houve crise com ele.

Leia, a seguir, os principais temas abordados durante a entrevista com o presidente da Petrobras.

ESPECULAÇÃO: O presidente da Petrobras disse que a maior pressão pelo aumento do preço do petróleo não parte do conflito na Líbia ou dos problemas de Portugal, mas do fato de os baixos juros em vários países estarem provocando uma ida de capitais para a especulação com commodities:

- De cada dez contratos futuros com petróleo, nove não fecham. É só papel. Não tem o contrato físico. É especulação pura. E isso tem puxado o preço do barril do petróleo para cima.

Segundo Gabrielli, não há falta de petróleo no mundo:

- O problema da guerra da Líbia, a questão geopolítica, é uma coisa real, mas não é daí que vem a pressão maior. O mundo produz entre 86 e 87 milhões de barris de petróleo por dia e o consumo é mais ou menos esse. A Líbia produz 1,6 milhão de barris/dia, mas a Opep tem capacidade ociosa de 3 a 5 milhões de barris. O mercado está equilibrado. O que pressiona a alta do petróleo é mesmo a especulação internacional, por causa dos juros baixos no mundo.

IMPORTAÇÃO DE GASOLINA: Gabrielli disse que o aumento no consumo da gasolina no país ocorre por causa da alta dos preços do álcool, provocado pela escassez. Isso, no ano passado, levou a um aumento de 19% na demanda da gasolina:

- Éramos exportadores de gasolina e agora estamos até importando. Em abril, estarão chegando navios dos EUA com o combustível. Mas, quando entrar a safra do álcool, em abril, é possível que o preço caia e a pressão na gasolina reduza um pouco - disse, acrescentando que o mercado é complexo.

- Vai entrar o verão nos EUA e a tendência é aumentar o consumo da gasolina, pois os americanos viajam muito de carro e são os maiores consumidores do mundo. Precisamos ver se haverá aumento no consumo nos EUA, ou se o americano vai reduzi-lo com a recessão. Se aumentar, será um fator de pressão no preço da gasolina no mercado internacional, o que justifica um reajuste nosso. Afinal, o Brasil está numa economia aberta, onde exportamos e importamos.

PRESSÃO INFLACIONÁRIA: Para Gabrielli, é possível que um eventual reajuste nos preços dos combustíveis não provoque grande impacto na inflação:

- A Petrobras não pode ser a vilã da inflação. Um eventual reajuste nos nossos preços não terá tanto impacto na inflação. Até porque, se ficarmos vendendo gasolina com preços defasados, isso implicará queda na arrecadação do governo, que conta com os combustíveis para receber mais. E o país precisa arrecadar mais num momento de corte de gastos, como determinou a presidente Dilma.

SEGURO NO CARGO: Ele negou que uma crise econômica possa acarretar mudanças na direção da Petrobras. O presidente da estatal afirmou que se dá muito bem com Dilma e lembrou que foi convidado a acompanhá-la na viagem à China.

- Vou no avião da presidente. Participarei das reuniões com os empresários chineses e até da reunião do Bric (bloco de países emergentes integrado por Brasil, Rússia, Índia e China).

PLANOS PARA O DIA QUE SAIR DA EMPRESA: Gabrielli disse que se sente seguro no cargo, mas lembrou que sua permanência depende de Dilma.

- Em junho, completo seis anos na presidência da Petrobras. Ninguém ficou mais de seis anos no cargo. Quem mais ficou foi Joel Rennó (no governo FH). A partir de junho, serei eu. Mas, se não quiserem que eu fique, tudo bem. Voltarei a dar aulas na Bahia, onde sou professor - disse, negando ter interesse em se candidatar a prefeito de Salvador no ano que vem. - Sou fundador e filiado ao PT desde 1980. Mas, se deixar a Petrobras, pretendo apenas voltar a dar aula na Bahia. Não penso em carreira política.

NASA: Num momento em que a União está cortando R$50 bilhões em gastos, Gabrielli disse que a Petrobras está com o pé no acelerador. Ele informou que a estatal investirá US$224 bilhões (R$380 bilhões) até 2014.

- Temos o maior programa de investimentos de uma empresa no mundo. Investiremos mais do que o governo americano gastou na década de 60 para mandar o homem à Lua. A Nasa gastou US$200 bilhões com o programa espacial na época - afirmou Gabrielli, lembrando que a estatal investe hoje US$42 bilhões por ano, o que dá R$2.300 por segundo, "mais do que a União está investindo".

AJUDA AO CRESCIMENTO: Com a produção do pré-sal, o setor de petróleo crescerá mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Gabrielli disse que o PIB, hoje em R$3,6 trilhões, vem crescendo em torno de 6,5% a 8% ao ano. Já o setor cresce num ritmo anual de 10% a 12%.

- Em produção, alcançaremos em dez anos o nível que a Petrobras levou 54 anos para chegar. Em 1953, quando começamos a produzir petróleo, produzíamos 2,3 mil barris por dia.

A Petrobras produz hoje 2 milhões de barris por dia. Até 2020, poderá alcançar a marca de 3,9 milhões. Em 2014, Gabrielli estima que o Brasil estará produzindo 2,4 milhões de barris/dia, colocando-o no terceiro maior grupo de produtores de petróleo do mundo. Em 2020, acrescentou, estará no segundo grupo de maiores produtores:

- O primeiro grupo tem países que produzem 10 milhões de barris por dia, são a Rússia e Arábia Saudita. O segundo, integrado por México e Nigéria, produz de 3 milhões a 3,5 milhões. Em 2014, estaremos no terceiro grupo, entre os que produzem de 2 milhões a 2,5 milhões de barris/dia. Em 2020, estaremos no segundo grupo, com 3,9 milhões. Se a Petrobras fosse um país, poderia estar na Opep.

NOVAS REFINARIAS: A Petrobras planeja dobrar, até 2020, sua capacidade de refino.

- Hoje, refinamos 1,2 milhão de barris por dia. Até 2020, vamos ter capacidade para refinar 3,2 milhões de barris. Isso porque, até 2013, entra em operação a refinaria de Pernambuco, com mais 230 mil barris/dia. Em 2014, entram em operação as refinarias do Ceará, com mais 300 mil barris por dia, e do Maranhão, com outros 300 mil barris. A nova refinaria do Rio Grande do Norte vai refinar mais 35 mil barris por dia em 2012 e a que está sendo construída no Rio, o Comperj, terá capacidade de refino de 165 mil barris/dia em 2014, aumentando sua capacidade para 330 mil barris em 2020.

DESTILARIAS DE ÁLCOOL: Gabrielli disse que a Petrobras vai expandir sua atuação no setor de álcool e estuda investir em destilarias próprias.

- Hoje, temos 40% de participação nas destilarias de Guarani e São Martinho (terceira e quarta maiores do país, respectivamente), mas é possível ampliar isso muito mais. O álcool movimenta 51% da nossa frota de automóveis. Não podemos ficar fora desse mercado.

MAIS 14 MIL FUNCIONÁRIOS: A Petrobras tem 77 mil funcionários, sendo 40% com menos de quatro anos de casa.

- Até 2014, vamos contratar 14 mil funcionários. Só em Santos, são mais 6 mil - disse.