Título: Governo não faz sua parte
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 30/07/2009, Economia, p. 14

União registra rombo em junho e acende sinal de alerta no mercado financeiro. Gastos do governo podem estimular inflação

Estados, municípios e estatais fizeram o que o governo federal não conseguiu em junho: economizaram recursos suficientes para que o setor público consolidado fechasse o mês com superávit primário. Enquanto a União contabilizou rombo de R$ 1,1 bilhão, o pior resultado para meses de junho desde 1998, os governos regionais apresentaram saldo positivo de R$ 2,5 bilhões e as estatais, de R$ 1,9 bilhão.

Feito o encontro de contas, o superávit ficou em R$ 3,3 bilhões, recuando 67% ante junho de 2008. Já o saldo acumulado em 12 meses, de R$ 59,9 bilhões, cravou 2,04% do Produto Interno Bruto (PIB), o menor patamar desde dezembro de 2001, situando-se, pela segunda vez seguida, abaixo da meta de 2,5% prometida pelo governo. Antes da crise, o compromisso era com uma economia de 3,8% do PIB para o pagamento de juros da dívida.

Esses números dispararam o sinal de alerta do mercado. Há o temor de que a ânsia gastadora do governo, embalada pelo discurso da necessidade de o Estado intervir na economia para amenizar os efeitos da crise mundial, leve a um descontrole fiscal, estimulando um processo inflacionário que obrigaria o Banco Central a aumentar a taxa básica de juros no ano que vem.

Essa visão, no entanto, é considerada alarmista pelo governo. Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, é preciso considerar que os números atuais das contas públicas se referem a um período de crise, que derrubou a atividade econômica e fez o governo abrir mão de receitas, por meio do corte de tributos para setores considerados estratégicos, com o automobilístico. E mais: mesmo menor, o superávit de junho, de R$ 3,3 bilhões, ficou acima das estimativas do mercado, que variavam entre R$ 1,3 bilhão e R$ 2,8 bilhões.

¿Toda a política anticíclica ficou com o governo federal. Por isso, as receitas de estados e municípios não diminuíram. Pelo contrário, a arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aumentou 2,8% entre janeiro e maio deste ano em comparação com o mesmo período de 2008¿, afirmou Altamir. Ele ressaltou ainda que, no caso das estatais, os números são muito voláteis. As empresas tiveram superávit em junho, mas estão com déficit acumulado de R$ 1 bilhão nos primeiros seis meses do ano.

O economista do BC insistiu: ¿Posso garantir que mantemos o compromisso de fechar o ano com superávit de 2,5% e tudo indica que cumpriremos a meta de 3,3% no ano que vem. Além da retomada da atividade, que estimulará a arrecadação, veremos o impacto da queda dos juros (iniciada em janeiro deste ano)¿. Segundo ele, não há descontrole fiscal. ¿Passada a crise, os resultados (das contas públicas) tendem a melhorar¿, assegurou.

Despesa

O discurso de Altamir não convenceu o economista Cristiano Souza, do Banco Santander. ¿O superávit primário em queda só está refletindo o aumento de gastos com o governo, sobretudo com o funcionalismo público. As receitas com impostos caíram por causa da crise, mas as despesas com a máquina continuaram aumentando¿, destacou. ¿Portanto, isso não é o que podemos chamar de política anticíclica. O combate à crise teria que ser feito por meio do aumento dos investimentos¿, frisou. ¿Não dá para dizer que a situação fiscal está um descalabro, mas que está desconfortável, está¿, emendou

Tanto para Souza quanto para o professor Ricardo Rocha, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), diante da atual deterioração do superávit primário e do processo lento de retomada a atividade econômica (que produzirá mais arrecadação), não há como o governo cumprir a meta deste ano, de 2,5%, nem a de 2010, de 3,3% do PIB,sup>(1). ¿Isso só seria possível se o governo suspendesse todos os aumentos para os servidores e promovesse cortes severos nas despesas com o funcionamento da máquina. Mas isso não vai acontecer. Em agosto, há uma nova rodada de reajustes para o funcionalismo¿, destacou Rocha.

1 - BENS E SERVIÇOS O Produto Interno Bruto representa a soma em dinheiro de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada localidade (mundo, continentes, países, estados, regiões e cidades) durante um período (mês, trimestre, ano). O PIB é um dos indicadores mais utilizados para mensurar a atividade econômica. Em sua contagem do PIB, considera-se apenas bens e serviços finais, excluindo os intermediários (insumos). O objetivo é evitar o problema da dupla contagem ¿ impedir que valores gerados na cadeia de produção apareçam contados duas vezes na soma do PIB.

Salto de R$105 bi

Um dos principais termômetros para medir a confiança dos investidores no país, a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) deu um salto espetacular nos primeiros seis meses deste ano: de 38,8% para 43,1%, um aumento de 4,3 pontos percentuais ou R$ 105,5 bilhões. Ainda que esse movimento tenha levado o indicador para o patamar mais alto desde fevereiro de 2008, os economistas não falam em trajetória explosiva do endividamento público. ¿Mas é preciso muita atenção¿, disse o economista Cristiano Souza, do Banco Santander. Uma alta continuada pode trazer de volta um fantasma que se imaginava enterrado, o da insolvência ¿ medo de que o Brasil dê calote em seus credores.

Segundo o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, o aumento de 4,3 pontos não é ¿absurdo¿. Parte dessa alta decorreu da retirada da Petrobras do cálculo do superávit primário e da baixa de 17% do dólar este ano. Como o Brasil se tornou credor internacional, quando o real se valoriza, o endividamento cresce. ¿O importante é que a trajetória é de baixa, pois teremos o impacto do corte da taxa básica de juros¿, frisou. ¿Nossa projeção aponta para uma relação entre a dívida e o Produto de 41,4% no fim do ano. E o mercado aposta em um índice de 38,6% em 2010, considerando um superávit primário de 3,3% do PIB e crescimento econômico de 3,5%¿, afirmou.

Na avaliação do professor Ricardo Rocha, do Instituto de Ensino e Pesquisa, para que a relação entre dívida e PIB volte a cair, é preciso um crescimento mais forte da economia. ¿Se a taxa de expansão da economia superar os 4% no ano que vem, poderemos falar tranquilamente em uma relação entre a dívida e o PIB abaixo de 40%. Do contrário, o recuo, se ocorrer, será pequeno¿, ressaltou.

Para Maurício Oreng, economista do Itaú-Unibanco, não foi apenas o Brasil que elevou a dívida em relação ao PIB. ¿Foi algo global¿, destacou. Nos Estados Unidos, a dívida, que estava em 43,2% em 2007, saltará para 70,4% no ano que vem. No Japão, o aumento será de 80,4% para 114,8%. (VN)

Promessa distante

A disposição do governo em ampliar os gastos enterrou, de vez, a promessa alardeada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de entregar déficit nominal zero (que inclui as despesas com juros) em 2010, último ano da administração Lula. O indicador, que havia fechado o ano passado em 1,98% do Produto Interno Bruto (PIB), disparou desde o início do ano e chegou, nos 12 meses terminados em junho, a 3,19%, o nível mais alto desde dezembro de 2006, quando estava em 3,54%.

O déficit nominal aumentou, sobretudo, porque o governo reduziu significativamente a economia para o pagamento de juros da dívida (superávit primário). Ao longo de 2008, essa poupança chegou a R$ 106,4 bilhões. Como as despesas com juros haviam sido de R$ 163,6 bilhões, faltaram R$ 57,2 bilhões para fechar as contas. Nos 12 meses encerrados em junho, porém, o superávit primário estava em R$ 59,9 bilhões para bancar uma conta de juros de R$ 153,7 bilhões. Ou seja, o rombo bateu em R$ 93,8 bilhões.

Avaliando esses números, é possível afirmar que, mesmo com os juros em queda ¿ a taxa básica (Selic) média saiu de 12,48% em dezembro de 2008 para 12,41% em junho ¿, o déficit nominal continuará elevado por todo esse ano. ¿É difícil não ficar preocupado com um dado como esse. Por isso, é importante que o governo corte o que puder de gastos com o funcionamento da máquina pública para ampliar o superávit primário e pagar o máximo de juros¿, disse o professor Ricardo Rocha, do Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper). (VN)