Título: Em São Paulo, oxi já chegou à cracolândia
Autor: Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 17/04/2011, O País, p. 3

SÃO PAULO. X., de 14 anos, encosta num poste para se segurar em pé. Tem um cachimbo preso ao elástico da bermuda, está descalço, sujo e mal consegue balbuciar algumas palavras. Duas horas depois, um pouco mais composto, aborda um casal de senhores e pede dinheiro. Ganha um pacote de biscoito, mas não o abre. Usa o produto como escambo para ter direito a um trago do que ele nem sabe mais o que é. X. já ouviu falar do oxi, mas acredita que está viciado em crack. Ele não sabe a diferença, assim como os mais de 400 viciados que perambulam dia e noite pelas ruas quase abandonadas da cracolândia de São Paulo, na região central da cidade, uma das áreas onde a nova e devastadora droga pode estar sendo consumida sem que os usuários tenham a menor consciência disso.

¿Pedra a R$2, só hoje, só hoje¿

O maior indício de que a droga já está circulando em São Paulo é o preço com que as supostas pedras de crack estão sendo vendidas ali. Aos berros, os traficantes oferecem o ¿crack¿ por R$2. No mercado do tráfico, porém, sabe-se que o preço dessa pedra é ¿tabelado¿ em R$10. Em dias de promoção, numa estratégia para arregimentar novos viciados, o valor pode cair um pouco, e chega a R$8. Abaixo desse valor, o que está chegando nas mãos do viciado muito provavelmente é o oxi.

¿ Essa pedra que eles vendem por R$2 não é crack. Já estamos ouvindo sobre esse oxi há muito tempo. Como é mais barato, provavelmente é o que já está circulando por aqui. Só que essas pessoas estão num estágio em que não têm condições psicológicas de diferenciar nada ¿ diz um comerciante que trabalha na região há 11 anos.

Roberta, ex-garota de programa de luxo, 26 anos, parece não pesar mais que 45 quilos. Na quinta-feira, ela acreditava que não comia ou dormia há cinco dias. Assim como X., diz que não vive sem fumar, seja lá o que for. Roberta também já ouviu falar do oxi, mas acredita usar apenas crack. Nos últimos dias, vive cercada por rapazes. Confidenciou ao GLOBO que faz programas por R$1 ou R$2. O dinheiro que ganha dentro de casas abandonadas na região serve para comprar uma pedra, pela qual paga R$2.

Não seria o oxi?

¿ Sei lá se é isso aí (o oxi) ou se é crack. Seja o que for, o barato é o mesmo, e eu não saio daqui por nada ¿ dizia ela, canivete na mão, tremendo a cabeça e piscando sem parar.

A polícia acompanha o movimento dos ¿craqueiros¿ à distância. O uso e a venda da droga parecem liberados. Não há represália, sequer quando traficantes gritam como se estivessem em feiras-livres. A senha para atrair novos usuários é fazer propaganda do que chamam de ¿saldão¿. ¿Seis pedras por R$50; três por R$25¿. Diante da falta de clientela, o mesmo grupo deixa o local e logo reaparece oferecendo o que dizem ser o mesmo produto, agora com preço mais atrativo para os viciados. ¿Pedra a R$2, só hoje, só hoje¿.

¿ Isso aí é o oxi ¿ sentenciou um guarda metropolitano que fazia a ronda na região.

Os garotos que vendem a droga por R$2 são logo cercados por até 20 pessoas. Alguns dão dinheiro, outros oferecem o que têm. Um rapaz aparentando 30 anos oferece ao grupo um cartão do Bilhete Único (usado no transporte público da cidade), que é recusado. Em seguida, começam a parar pessoas que deixam a estação Júlio Prestes do metrô. Ele tenta a todo custo convencer alguém a comprar os R$0,65 de crédito.

Assim que consegue, volta para o miolo da cracolândia. Pelo pouco dinheiro que tem, não consegue comprar uma pedra. Tem direito apenas a dar uma tragada no cachimbo de um dos traficantes, que ainda ganham dinheiro aceitando moedas de quem se sujeita a dividir uma pedra. Muitas vezes, quatro ou cinco pessoas se juntam para poder dar um trago no mesmo cachimbo.

¿ Pode colocar o que for ali que eles fumam. E, quanto mais barato for, mais o cara fica dependente. Essa droga nova vai fazer aumentar a cracolândia ¿ diz o guarda.