Título: Na capital acreana, legião de descamisados pelo vício
Autor: Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 17/04/2011, O País, p. 3

RIO BRANCO (AC). Por volta do meio-dia, uma legião de usuários de oxi começa a se movimentar por Rio Branco. Eles andam a pé entre os bairros, uns já não têm sapatos ou camisas, a maioria já perdeu os dentes e é muito magra magra. Andam pela antiga rodoviária, na Cidade Nova, no Centro, no bairro 9 de Agosto, e transitam meio que invisíveis entre as pessoas.

São homens e mulheres, jovens e adultos, que passaram a madrugada entocados usando a pedra. Para comprar comida, tentam tomar conta de carros ou fazem um ¿corre¿, como chamam os furtos. Depois do almoço, lá pelas 13h, 14h, voltam a usar oxi e vagam com olhar perdido. Alguns estão nas ruas há mais de dez anos, como D., de 45, que antes cursava história na Universidade Federal do Acre:

¿ Quando minha mãe e minha irmã morreram, eu vim para a rua e fui ficando, abandonei a faculdade. Faz uns dez anos que não pego num livro, que não leio nada ¿ diz D., que costuma ficar no Preventório e no Bosque. ¿ Fui criado ali no Bosque. Gosto mais de maconha, mas oxi também é muito bom. Uso todo dia, mas nunca roubei.

No mesmo grupo, Z., de 17 anos, aparenta ter mais de 40. A menina, que já tem filhos, mal consegue se expressar e passa dias usando a pedra. Os dentes já estão marrons, as pernas, cheias de ferida, e o corpo, bastante magro. Quem a conheceu antes conta que chegava a ser gordinha. Perguntada sobre onde estão os filhos, Z. diz que não sabe.

F., que um dia foi popular na cidade, anda de um lado para o outro e não consegue atenção nem dos que usam oxi. No máximo, as pessoas dizem meio debochando: ¿Olha lá o F., está noiado¿.

Conseguir a droga na capital acreana não é difícil. A maioria das vendas é feita por pequenos traficantes, que estão em todos os bairros. Eles comercializam um quilo ou dois da droga e vão até a fronteira com a Bolívia e o Peru comprar, ou encomendam e aguardam a entrega na capital.

¿ É difícil acabar com o tráfico local, porque são pessoas comuns que vendem, gente que você não imagina que seja traficante. Os laboratórios caseiros são bem rústicos, ou eles usam casas abandonadas para fazer a droga ¿ conta André Luís Monteiro da Silva, corregedor da Polícia Civil do Acre.

¿ Em Rio Branco, as pessoas produzem a droga no fundo do quintal ou na mata mesmo. São laboratórios caseiros muito lucrativos. Às vezes, vende por um tempo, para, volta ¿ conta Mário Helder de Melo Lima, coordenador do Conselho Estadual de Entorpecentes do Acre.

Por conta do tráfico doméstico, pelos bairros da cidade é possível encontrar bares que servem de fachada para a venda de todo tipo de droga. São estabelecimentos simples, onde as pessoas se reúnem para beber cerveja e por onde circulam crianças e adultos. No bairro Bola Preta, um desses bares já é tido como tradicional. Na última quarta-feira, dezenas de pessoas conversavam no local, onde a família mantém o ¿negócio¿ há anos.