Título: Uma ameaça devastadora que se espalha pelo país
Autor: Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 17/04/2011, O País, p. 3

As ruas de Rio Branco são hoje um retrato da degradação provocada por uma nova droga, mais letal do que o crack, que está se espalhando pelo Brasil: o oxi, um subproduto da cocaína. A droga chegou ao país pelo Acre. Na capital, ao redor do Rio Acre, perto de prédios públicos, no Centro da cidade, nas periferias e em bairros de classe média alta, viciados em oxi perambulam pelas ruas e afirmam: "Não tem bairro onde não se encontre a pedra".

O oxi, abreviação de oxidado, é uma mistura de base livre de cocaína, querosene - ou gasolina, diesel e até solução de bateria -, cal e permanganato de potássio. Como o crack, o oxi é uma pedra, só que branca, e é fumado num cachimbo. A diferença é que é mais barato e mata mais rápido.

A pedra tem 80% de cocaína, enquanto o crack não passa de 40%. O oxi veio da Bolívia e do Peru e entrou no país pelo Acre, a partir dos municípios de Brasiléia e Epitaciolândia. Hoje está em todos os estados da Região Norte, em Goiânia e em Mato Grosso do Sul, no Distrito Federal, em alguns estados do Nordeste e acaba de chegar a São Paulo. No Rio, os primeiros relatos de que a pedra pode ser encontrada na capital também já começaram a aparecer. Mas a polícia ainda não registrou apreensões.

"É um tempo de vida curto"

Estado que faz fronteira com o Peru e a Bolívia - os maiores produtores de cocaína do mundo - e ainda próximo à Colômbia, o Acre há tempos virou rota do tráfico internacional. De uns anos para cá, a facilidade com que a base livre de cocaína cruza as fronteiras fez com que o oxi tomasse conta da capital e de pequenos municípios. A pedra age rápido: viciados dizem que não leva 20 segundos para sentir um "barato" e que em cinco minutos a pessoa já está com vontade de usar de novo. Fumado, geralmente em latas de bebida ou em cachimbos como os que servem para o crack, o oxi tem potencial para viciar logo na primeira vez e é uma droga barata: é vendida em média por R$5 e até R$2.

- Quando a Bolívia se tornou produtora, o preço caiu e a cocaína se difundiu no Acre. A realidade é que o oxi é barato, está espalhado por Rio Branco e tem potencial para se espalhar por todo o Brasil, já que a base livre de cocaína está em todos os estados do país e já foi apreendida em todos os lugares. O oxi não precisa de laboratório para ser produzido, e isso facilita a expansão - diz Maurício Moscardi, delegado da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Federal no Acre, que em 2010 apreendeu no estado quase 300 quilos de base livre de cocaína.

- A repressão na cidade não é a prioridade da PF, e sim desarticular organizações criminosas. Até atuamos no tráfico doméstico, mas a base livre de cocaína está em todo lugar e muitos consumidores da droga nem são caso de polícia, mas de saúde pública - diz o delegado José Carlos Calazans, superintendente da PF no Acre.

A Polícia Civil também não atua muito no "tráfico formiguinha". Segundo o corregedor André Luís Monteiro da Silva, o interesse maior passou a ser descobrir a origem da droga:

- Aqui, se você encontrar uma trouxinha de entorpecente, ela te remete ao Peru, à Bolívia e à Colômbia. A nós interessa investigar e chegar ao tráfico internacional. É mais vantajoso para a sociedade que a polícia quebre a corrente, levante os bens dos grupos, trabalhe com inteligência para saber sobre rotas de venda, sobre como o transporte é realizado, que sequestre os bens e prejudique o financiamento do que atue em cada boca de fumo de cada bairro. Até porque quando você prende o último, o primeiro a ser pego já está de volta.

Sem a presença da polícia, quem anda em Rio Branco encontra oxi e outras drogas em bairros tão distantes quanto Vila Acre e Centro, em periferias do 6 de agosto e no elitizado Bosque. Y., de 25 anos, que mora nas imediações da capital, experimentou oxi semana passada. Foi ao Preventório, conhecido como Papoco, espécie de bairro a uns 15 metros da PF, onde vivem oito mil pessoas e onde todo tipo de droga - oxi, maconha, cocaína, merla - é vendido nas bocadas, as bocas de fumo da região.

Pai de um bebê de pouco mais de um ano, Y. estava atrás de cocaína. Não encontrou, partiu para o oxi e, em menos de uma semana, trocou o vale-transporte por droga, abandonou o emprego, sumiu de casa, pediu dinheiro a parentes e até fez um "corre", gíria para furto. Depois de seis dias usando a pedra e de ter levado duas facadas "numa confusão", Y. jurava que voltaria para casa e ficaria longe da ruas.

- Minha mulher veio atrás de mim, mas não queria que ela me visse. Ela falou muito, disse coisas que não queria ouvir, falou que o bebê pergunta por mim. Nós somos muito agarrados. Mas eu não gostei, fiquei nervoso e aí usei mais oxi e enchi a cara - conta Y., que planejava ir para a universidade. - Estava estudando para fazer vestibular, focado nisso, mas agora...

É também no Preventório que Z., de 17 anos, usa oxi. A adolescente, que já tem filhos, mal consegue falar, pois que usa a droga há tempos. Tem as pontas dos dedos queimados e passa os dias tentando conseguir dinheiro para fumar.

- Não é preciso mais do que um centímetro da pedra para que a pessoa não consiga mais parar de usar. E sempre tem gente nova usando. Oxi causa muito dano, detona. Fizemos uma pesquisa, e os que acompanhamos e abusavam mais, usavam todo dia, não viveram mais do que um ano desde o começo do consumo. É um tempo de vida curto. A pessoa emagrece muito, passa dias sem comer, sem dormir, as cenas são degradantes - conta Alvaro Augusto de Andrade Mendes, pesquisador da Associação de Redução de Danos do Acre (Aredacre) e vice-presidente da Associação Brasileira de Redução de Danos.

A droga é tão pesada que há quem use merla, maconha e cocaína e diga que oxi é "do capeta". Aos 57 anos, X. experimentou por duas vezes. Teve medo de continuar.

- Você se sente muito corajoso. Se misturar com cinza de cigarro, então.... Mas quando quero usar, lembro que quem usa mata sem pensar.