Título: Quando me condenaram, foi um erro trágico
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 17/04/2011, O País, p. 14

BRASÍLIA. Primeiro condenado à pena de morte no Brasil no período republicano, como ele mesmo se apresenta, o hoje juiz do Trabalho em Recife (PE) Theodomiro Romeiro dos Santos, de 59 anos, foi um ativo militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), um grupo de esquerda que defendeu a luta armada na ditadura militar. Por ter matado um sargento do Exército no momento de sua prisão, em outubro de 1970, em Salvador, Theodomiro foi condenado à morte cinco meses depois, aos 18 anos. Exatamente no último dia 31 de março, 40 anos depois da sua pena capital, o esquerdista requereu ao governo sua condição de anistiado político.

Theodomiro disparou contra o sargento da Aeronáutica Walder Xavier de Lima dentro de um jipe militar, logo após ser preso no Dique do Tororó com o companheiro Paulo Pontes da Silva. No local, os dois estavam desmontando "pontos" do PCBR, locais de encontros dos opositores do regime. Eles tinham informações de que o cerco estava se fechando.

"Militante vivo era um risco"

No banco de trás do veículo, Theodomiro, com um revólver calibre 38, começou a disparar contra os três militares no carro. Ele acertou Walder na cabeça e atingiu os outros dois, que sobreviveram. Após a morte do jornalista Mário Alves - um dos fundadores do PCBR, com Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho -, em março de 1970, no Rio, e após intensa sessão de tortura, o grupo decidiu reagir às prisões.

- Foram muitas prisões e execuções de quem não reagiu. Era preferível reagir e correr o risco de morrer com um tiro a ser morto dolorosamente sendo torturado. E um militante vivo era um risco para o partido. Poderia sucumbir à tortura e entregar os outros - contou Theodomiro Romeiro ao GLOBO.

O militante, que usava o codinome Mário, achou que conseguiria fugir no episódio, o que não ocorreu. Mas não imaginou que sobreviveria:

- Não reagiram, não atiraram na gente. Eles me deram muitas coronhadas e levaram para a Polícia Federal. Foram dias seguidos de muita tortura, todos os dias. Choque elétrico, afogamento, espancamento. E ameaças pela morte do sargento.

Em 18 de março de 1971, Theodomiro foi condenado à morte por fuzilamento, numa decisão unânime do Conselho de Justiça da Aeronáutica, na Bahia. À época, a pena de morte era permitida nos "casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar", dizia emenda constitucional de 1969.

Theodomiro não conseguiu acompanhar todo o julgamento. Teve uma crise de úlcera e foi levado de volta à penitenciária Lemos de Brito, na Bahia. A condenação, ao contrário, deu a ele a certeza de que não seria morto.

- Quando me condenaram, tive a segurança de que não seria executado. Quando queriam matar alguém, matavam. Não julgavam antes. Foi um erro trágico deles. Depois, começou uma campanha pela minha liberdade.

Foi essa mobilização, com manifestações internacionais, que ajudou a salvar a vida de Theodomiro. No exterior, foram vários atos em frente a embaixadas do Brasil em defesa dos presos políticos. A condenação de Theodomiro deu visibilidade ao que se passava nos porões da ditadura.

Meses depois, o Superior Tribunal Militar (STM) converteu a pena de morte em prisão perpétua. Anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) transformou a pena em 30 anos de cadeia. Theodomiro ainda seria condenado por assalto a banco com o grupo e por ser integrante do PCBR. Depois de outras reduções, foi condenado, por todas as acusações, a 13 anos de cadeia. Cumpriu pouco mais de nove anos de prisão e, dez dias antes da Lei de Anistia, promulgada em 28 de agosto daquele ano, fugiu da penitenciária.

Por ter cometido "crime de sangue", Theodomiro não seria beneficiado pela lei. Mas a razão de fugir foi outra: chegou a seu conhecimento uma suposta declaração informal do então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, dada a jornalistas, de que, sozinho na cadeia, com a libertação de outros presos políticos, o militante poderia correr riscos no convívio com presos comuns. Soou como uma ameaça.

- Aguardaria mais quanto tempo fosse para ter minha liberdade. Mas, depois dessa conversa, não fiquei seguro de esperar.

Fugir foi fácil. Depois de tantos anos preso, e com a distensão lenta e gradual do regime, Theodomiro gozava de algumas regalias, como a de circular todas as manhãs fora do prédio, mas nas cercanias da Lemos de Brito:

- Foi uma fuga sem emoção nem aventura.

Theodomiro permaneceu alguns meses escondido numa fazenda de cacau e seguiu depois para Brasília, com a ajuda do amigo e ex-deputado Airton Soares. O esquerdista pediu abrigo na Nunciatura Apostólica e conseguiu um salvo-conduto do governo brasileiro. Foi para o México e viajou em seguida para o exílio na França:

- Com a anistia, todos voltaram. E eu sozinho lá. Pense na decepção.

Theodomiro só retornou ao Brasil em 5 de setembro de 1985, quando expiraram os 13 anos de sua condenação. Depois dele, apenas outros dois militantes - Ariston de Oliveira Lucena e Diógenes Sobrosa de Souza, ambos da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) - foram condenados à morte.

À Comissão de Anistia, Theodomiro não pediu indenização financeira, mas a contagem de tempo do período de sua prisão até seu retorno do exílio, em setembro de 1985, para efeitos de aposentadoria. O pedido na comissão foi protocolado pelo advogado Ruy Patterson, um antigo companheiro de cela de Theodomiro.

- Não peço dinheiro, primeiro, porque considero minha história uma vitória pessoal contra a ditadura. Não tenho nenhuma sequela, nenhuma marca, não tenho pesadelo e durmo bem à noite. Segundo, não preciso desse dinheiro. Tenho um bom salário.