Título: Tem de reduzir na marra o acesso a armas
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 17/04/2011, Rio, p. 21

O massacre de 12 crianças na Escola Tasso da Silveira, em Realengo, na semana passada, reabriu a discussão sobre o comércio clandestino de armas de fogo. Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da USP, e membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Paulo Sérgio Pinheiro defende a criação de uma lei para proibir a circulação de armas na sociedade civil, mas sem referendos ou plebiscitos. Para ele, um dos maiores problemas do país ante tragédias como a de Realengo é o que chama de Febeapá: "o festival de besteiras", como as propostas de referendo e de colocar detectores de metal nas escolas, ou a ligação do massacre com o terrorismo.

- A ideia de plebiscito é inadequada, intempestiva. Esta não é uma pergunta que se faça a uma população que vive sob ameaça da insegurança pública e convive com o mito de que se armar ajuda na proteção. E existe o lobby poderoso das fabricantes de armas no Brasil. Os parlamentares têm mais o que fazer. O governo deveria aproveitar a maioria no Congresso e aprovar uma lei que proíba a venda de armas no país - afirma o especialista.

Os dois revólveres, calibres 38 e 32, comprados ilegalmente e usados por Wellington Menezes de Oliveira dentro da escola municipal, são apenas um pequeno fragmento numa estatística assustadora: dos 16 milhões de armas existentes no Brasil, quase metade, ou 7,6 milhões, é ilegal. Na opinião de Pinheiro, entretanto, uma eventual mudança na legislação, embora adequada, não será suficiente. O especialista reitera a importância da criação de uma nova lei aliada a uma campanha nacional pelo desarmamento:

- Isso, para mim, é o beabá: tem de diminuir na marra o acesso a armas no Brasil. E o governo, à medida que faz a lei (o que por si só não basta), precisa fazer uma campanha dizendo que não adianta a dona de casa, o adolescente, a criança fazer tiro ao alvo para se proteger.

A impressão de que a ameaça vem de fora, quando o assunto é o comércio ilegal de armas, não se confirma. A maior parte dos armamentos clandestinos tem origem na indústria bélica nacional. Hoje, segundo Pinheiro, somente quatro grupos monopolizam o setor no país. O membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA aponta um país vizinho como o principal entreposto das armas que saem do país e voltam ao mercado clandestinamente.

- Muitas dessas armas da criminalidade são brasileiras que vão para o Paraguai e retornam ilegalmente. Por isso, é mais fácil controlar a comercialização do que fazer a repressão na fronteira. Não há outra saída a não ser controlar o estoque e o alto número de armas em circulação, nas mãos de particulares, no Brasil.

Especialista critica exibição de vídeos

Apesar da comoção social em torno do massacre de Realengo, estados como Rio e São Paulo vêm registrando sucessivas quedas nos índices de criminalidade. O número de homicídios em fevereiro deste ano no Rio, por exemplo, foi o menor de todos os meses de fevereiro, desde o início da série histórica, em 1991. Já em São Paulo, os homicídios diminuiram 41% no primeiro trimestre deste ano. Na opinião de Pinheiro, números como esses mostram que a chacina não alçou o Brasil a um novo patamar de violência:

- Não adianta dizer que o Brasil agora entrou na etapa do terrorismo. Não tem terrorismo. Foi um ato de um desequilibrado, que se vingou de memórias escolares desagradáveis. Existem muitos Wellingtons dando sopa por aí. Mas por quê? Porque o atendimento ambulatorial de saúde mental é ridículo no Rio, em São Paulo e em todo o Brasil. Quem sabe se Wellington, com um atendimento adequado, não teria feito o massacre.

O especialista também é radical ao condenar a exibição dos vídeos em que o atirador tenta explicar suas motivações e responsabilizar as autoridades pela mortes das crianças - executadas por ele.

- Sou totalmente contra a censura, mas acho uma irresponsabilidade extraordinária passar o vídeo de uma pessoa completamente desequilibrada para a população, que não tem nenhuma condição de elaborar sobre essa mensagem totalmente desconexa. Com isso, Wellington está sendo bem-sucedido em passar sua mensagem. Acho que o poder público do Rio deveria se preocupar mais com os que sobreviveram - defende Pinheiro.