Título: No Bolsa Família, 66,4% dos beneficiários são negros
Autor: Oswald, Vivian
Fonte: O Globo, 17/04/2011, Economia, p. 41

BRASÍLIA. Ao mirar a histórica disparidade de renda no Brasil, o programa Bolsa Família acabou acertando em cheio outro problema com o qual o país convive há séculos: a desigualdade racial. Uma em cada quatro famílias brasileiras chefiadas por pretos ou pardos recebe o benefício, representando quase 70% das atendidas, segundo o relatório anual de Desigualdades Raciais no Brasil, do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser). O aumento da renda melhorou a qualidade de vida destas pessoas, concentradas sobretudo no Nordeste e Norte do país, e incrementou o que consomem à mesa.

Mesmo assim, ainda são necessárias políticas mais específicas se o governo quiser reduzir as diferenças entre brancos e negros.

- São necessárias políticas complementares - afirmou o professor do Instituto de Economia da UFRJ Marcelo Paixão, um dos autores do estudo.

Quase um quarto das famílias negras tem Bolsa Família

Para o especialista, a segunda fase do programa Bolsa Família deverá tratar a inserção dos indivíduos na sociedade, considerando a proficiência e a frequência dos estudantes, a qualificação profissional e suas condições de saúde. Mas, para melhorar o equilíbrio entre as raças, deverá levar em conta as "dimensões correlatas da pobreza".

- É preciso haver uma inserção na vida social e econômica, além de um aumento na participação política. E não dá para negar que, ainda hoje, a taxa de pobreza entre negros é mais do que o dobro daquela registrada entre brancos no país.

Especialista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jorge Abrahão destacou que o Bolsa Família não é um programa voltado para a desigualdade racial, mas a pobreza no Brasil tem cor e endereço. Não é à toa que a população negra foi mais atingida pelo programa.

- Mas isso não elimina as diferenças de raça e cor na cultura - disse Abrahão.

Segundo o relatório, em todas as cinco regiões do país, os negros são os maiores beneficiados pelo programa. Do total de assistidas pelo Bolsa Família, 66,4% das famílias são chefiadas por afrodescendentes, contra 26,8% de brancos, na média.

Em todo o país, 18% dos domicílios são atendidos pelo Bolsa Família. Mas, nas famílias cuja pessoa de referência é negra ou parda, este percentual aumenta para 24%. Já entre os brancos, o indicador é de 9,8%.

Quando se faz a divisão por regiões, 37,1% das famílias chefiadas por negros e pardos do Nordeste são beneficiárias do programa, percentual que cai para 10,8% daquelas que moram no Sul.

Consumo de arroz cresceu 68,5% e o de carnes, 68,4%

Com mais dinheiro no bolso, as populações pretas e pardas também começam a mudar seus hábitos de consumo. O cardápio destas famílias foi incrementado nos últimos anos com alimentos em geral e produtos infantis, segundo mostra parte do relatório coordenada pela professora do Instituto de Nutrição Rosana Sales, com informações de 2003 a 2007. O arroz foi o item da cesta no qual o crescimento foi mais evidente, com 68,5%, sendo seguido pelas carnes e o açúcar, ambos com 68,4%.

O feijão também ganhou lugar de destaque no cardápio de negros, com um aumento de 68%. Café registrou alta de 67,9% e óleos e gorduras, de 58,7%. Leites e derivados cresceram 65,6%. Entre a população branca, também foi registrado aumento expressivo, mas bastante abaixo do que se constatou entre negros e pardos. O consumo do arroz cresceu 31,5% e o das carnes, 31,6%, assim como o do açúcar.