Título: Universo paralisado em cidades devastadas
Autor: Sarmento, Claudia
Fonte: O Globo, 17/04/2011, O Mundo, p. 43

MINAMISANRIKU, Japão. No centro de Sendai, capital da província de Miyagui e região metropolitana mais próxima do epicentro do terremoto de 9.0, a terra não dá trégua. Continua tremendo. Os mercados ainda estão desabastecidos e a gasolina é racionada, mas já não há filas quilométricas para comprar comida, nem o clima de choque que veio após a maior tragédia japonesa desde a Segunda Guerra. O aeroporto ¿ invadido pela maré numa imagem que impressionou o mundo ¿ teve uma das pistas reaberta. Seguindo adiante em direção ao mar, no entanto, o que se vê é um universo paralisado. No litoral de Miyagui, a preocupação não é o perigo radioativo que sopra de Fukushima ¿ foco da atenção internacional ¿ mas como conduzir a monumental tarefa de reconstrução.

É um caminho lento. Os serviços mais básicos não foram restaurados e a contagem das vítimas está longe de terminar. O Japão tinha até o final da semana 13.498 mortos, 14.734 desaparecidos e mais de 150 mil desabrigados, além de um acidente nuclear de nível 7, o mais alto na escala mundial. A montanha de detritos chega a 80 milhões de toneladas. Segundo o governo, 7.800 casas temporárias estão sendo construídas, mas as províncias mais atingidas (Miyagui, Iwate e Fukushima) precisam de pelo menos 62 mil.

Para chegar ao litoral do Nordeste a partir de Tóquio é necessário pegar a estrada que passa por Fukushima, a 60 quilômetros da usina. Um contador Geiger no carro comprova o que já se sabe: quanto mais próximo do local do acidente nuclear, maior a radiação.

Já em Minamisanriku, o horror é mais palpável. O vice-prefeito Endo Kenji, que recebeu as doações dos brasileiros, contou que os moradores vinham se preparando para um terremoto, mas ninguém imaginou tamanha brutalidade das águas. Dos 80 pontos de evacuação, 31 foram atingidos. Funcionários da prefeitura correram para um desses lugares após o tremor, mas Kenji viu alguns serem levados pela onda.

Na cidade de Ishinomaki, onde os brasileiros também doaram bicicletas e álcool, a população está reagindo. Ruas continuam bloqueadas por barcos despedaçados e o cheiro é insuportável, mas os japoneses limpam as casa e empilham destroços em sacos plásticos. Ishinomaki foi cenário de uma das muitas histórias dramáticas contadas nas últimas semanas. A tsunami matou 74 dos 108 alunos de uma escola fundamental. Só um dos 12 professores escapou. Quando a terra tremeu, os funcionários tentaram levar as crianças para um ponto mais elevado. O caminho estava bloqueado por árvores e postes e eles conseguiram chegar a uma ponte sobre um rio, a três quilômetros do mar. Mas as águas do rio também transbordaram, tragando o grupo que acreditava estar seguro no alto de uma estrutura de aço. (C.S.)